Voltar à normalidade e ao convívio social após dois anos de pandemia pode ser uma tarefa desafiadora para muitos brasileiros, especialmente quando se fala sobre novas variantes da Covid-19 e o novo surto de gripe H3N2. Enquanto alguns comemoram aliviados o progressivo desconfinamento, outros experimentam uma sensação desconfortável de medo e ansiedade na retomada das interações sociais.
Para a psicologia, o receio de voltar ao convívio presencial tem nome: Síndrome da Cabana. A supervisora do Serviço-Escola de Psicologia do UniCuritiba – instituição que faz parte da Ânima Educação, uma das maiores organizações educacionais de ensino superior do país – psicóloga Daniela Jungles explica que o termo não é novo, mas vem ganhando fama no contexto da pandemia.
“As pessoas aprenderam que muitas coisas podem ser feitas remotamente e que ficar em casa tem benefícios. Muitas associaram o ‘fique em casa’ com algo muito positivo porque ficaram longe do olhar e do julgamento dos outros. Voltar ao nível de socialização de dois anos atrás não vai acontecer da noite para o dia”, explica.
O segredo está na alternância dos períodos de interioridade e exterioridade e na fluidez das transições. Para que a retomada das relações sociais presenciais seja tranquila e leve, é necessário respeitar a fase de adaptação. “É preciso dar tempo ao cérebro antes de retomar um hábito. Quando estamos adaptados a uma situação, a mudança exige esforço e energia. O cérebro é programado para desencadear uma resposta ao estresse gerado pelas mudanças. Assim que a rotina social for retomada, a reação ao estresse tende a diminuir.”
Sintomas e cuidados
A Síndrome da Cabana não é um transtorno psiquiátrico, mas um estado emocional transitório que desaparece após o retorno gradual às atividades. Os sintomas se assemelham a um quadro de ansiedade ou depressão, com inquietação, medo e desconfiança das pessoas, fadiga, tristeza e angústia na hora de sair de casa.
Também conhecido como Síndrome do Caracol, o problema se caracteriza pela ansiedade em relação à vida social. “A prevalência tem sido maior em pessoas que antes do confinamento já passavam por um episódio depressivo ou sofriam com crises de ansiedade”, explica a professora do UniCuritiba.
Passo a passo
Daniela Jungles recomenda que a retomada às atividades presenciais seja gradativa. “O mais importante é não se comparar com os outros. Dê um passo de cada vez, fazendo o que é cômodo para você e evite enfrentar todas as fontes de estresse do mundo exterior de uma só vez.”
Embora o desejo de voltar à normalidade parecesse unanimidade, o medo de sair do “mundo protegido”, distante da visão e dos julgamentos dos outros, é até comum. “Todos nós já sonhamos viver em uma cabana, muitas vezes no sentido literal, mas acima de tudo no sentido figurado: em um lugar isolado e agradável, longe do mundo, das obrigações e dos constrangimentos, onde ficaríamos bem e seguros. Um lugar em harmonia com a natureza e seguindo nosso próprio ritmo. Isso realmente nos faz sonhar”, comenta.
A questão, continua a especialista, é que depois de um tempo de solidão vem o tédio. “Pensamos apenas na parte fantasiosa e desejável de viver isolados em uma cabana, sem perceber que perdemos habilidades sociais muito rapidamente. Depois de se trancar, é difícil sair, não necessariamente porque você quer ficar lá, mas porque há dificuldades ao viver em sociedade.”
Casulo protetor
No contexto da pandemia, sair da “vida normal” para o isolamento em casa foi uma mudança radical. Aceitar o isolamento, diz a professora do UniCuritiba, foi uma forma de se proteger e participar do esforço coletivo de luta contra a Covid-19.
“Nossa casa era uma arma de defesa, um casulo protetor, uma ‘cabana’. Voltar ao convívio presencial explicita vários medos, como o da contaminação, de adoecer, do olhar dos outros, da multidão, de retornar a um cotidiano estressante. Depois de tanto tempo em confinamento, muitos terão de reaprender a se adaptar a um novo modo de vida, ao qual nem estávamos mais acostumados”, avalia.
A dica é respeitar o tempo necessário para os ajustes à nova realidade e, se os sintomas persistirem, procurar um profissional de saúde mental para evitar que a Síndrome da Cabana se instale de forma prolongada ou se transforme em um Transtorno Mental Ansioso ou Depressivo.