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No dia 27 de setembro deste ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgava um recurso em que uma mulher que pedia que fossem partilhados, pela Justiça Brasileira, os bens que ela e o marido haviam adquirido no exterior. O recurso foi acolhido, tendo o Relator consignado em seu voto que “o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou pela possibilidade de incorporação de bens localizados no exterior na partilha por ocasião de divórcio”.
Pouco tempo depois, no último dia 23 de novembro, o mesmo Tribunal de Justiça, dessa vez analisando recurso sob a relatoria de outro magistrado, negou pedido da esposa, em ação de divórcio, para investigar a existência de patrimônio do ex-marido no exterior, sob o argumento de que, em razão das regras de competência internacional, “a partilha de bens e valores situados no exterior não poderia ser objeto de deliberação judicial neste pleito.”.
Os exemplos divergentes mostram o que há muito se sabe: as regras relacionadas à competência e lei aplicável em âmbito internacional são complexas.
Daí porque investir fora do Brasil demanda cuidados quando pensamos em uma possível partilha de bens, seja em caso de sucessão, seja em caso de divórcio. E mais ainda em caso de brigas familiares. O assunto merece pauta principalmente porque é crescente o número de pessoas que pensam em investir fora do país.
O Banco Central divulgou recentemente um aumento de 44% dos investimentos no exterior entre 2020 e 2021, que parece motivado por vários fatores: (i) diversificação de investimentos, até porque os juros estão mais baixos no Brasil; (ii) instabilidade econômica e política que levam à procura de investimentos alçados em moedas mais fortes; (iii) desenvolvimento do mundo financeiro digital, que facilita cada vez mais as operações e controles de investimentos no exterior; e (iv) migração de famílias para residirem fora do Brasil – vide o caso de Portugal.
A tendência é de claro aumento, sendo, portanto, relevantíssimas algumas recomendações. Além de avaliar as questões financeiras e econômicas, deve-se considerar que a Justiça Brasileira, na maioria de suas decisões (com alguns casos divergentes), ainda se considera incompetente para decidir sobre a partilha de bens no exterior, muito embora já se admita que os valores partilhados no exterior possam ser compensados na partilha dos bens situados no Brasil.
Isso significa que, em caso de partilha, você ou sua família provavelmente terão que iniciar um procedimento (administrativo ou judicial) no país em que o investimento está situado.
Ao iniciar um procedimento de partilha em outro país, o investidor estará sujeito às regras daquele país no que diz respeito à sucessão, partilha, tributos, etc., que deve, portanto, ser por ele conhecida.
Há países cuja tributação em caso de sucessão aos herdeiros é altíssima, superando 30% do valor dos bens – no Brasil atualmente o percentual varia de 4% a 8%, a depender do Estado. Outra situação é a possibilidade de haver regras de sucessão diferentes da brasileira, com outra ordem distinta de herdeiros.
O planejamento patrimonial e sucessório, via de regra, é capaz de resolver a maioria dessas questões. Às vezes basta a realização de um testamento, doação, ou mesmo a constituição de uma off shore (empresa no exterior), que são procedimentos simples e acessíveis. Podem ainda ser adotadas alternativas mais complexas, como a instituição de um trust. São estruturas legais e amplamente utilizadas.
Definitivamente não é preciso temer nem deixar de investir no exterior, pelo contrário. No entanto, os que pretendem ou já navegam recursos além-mar, devem realmente ficar de olho nesses pontos, pois, do contrário, podem ter uma surpresa desagradável no futuro.
Por Maria Amélia Araújo
Fundadora do MAA Advogados, Dr. Maria Amélia Araújo, mestre em Direito Civil pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) e formada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), além de especialista dos temas das áreas família e sucessões, arbitragem e planejamento patrimonial.