O Presidente Jair Bolsonaro editou, em 18 de junho deste ano, a Medida Provisória 984/20, que altera artigos da Lei Pelé e, em tese, aumenta o poder de negociação dos clubes brasileiros nas negociações dos chamados “Direitos de Transmissão”.
O que diz a Lei Pelé?
Em seu artigo 42, a Lei Pelé determina que: “Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem”.
A lei diz que as Emissoras de Rádio ou TV, interessadas na retransmissão, precisam chegar a um acordo com ambos os times em campo. Ou seja, Globo e Turner, negociavam esses direitos com os clubes, de forma a garantirem a maior quantidade de jogos possíveis em sua grade de programação. Sem acordo com uma das partes, a transmissão não acontece.
E, quais as mudanças que a MP 984/20 traz ao futebol?
Se a MP não “caducar”, os clubes mandantes passam a deter os direitos de transmissão de suas partidas. Ou seja, as Emissoras de Rádio ou TV precisam negociar com apenas uma das partes. Complementarmente, criou-se a possibilidade de uma Receita Incremental de Patrocínio, oriunda da divulgação da marca da Emissora de Rádio ou TV, que transmitirá a partida.
Então, aparentemente, a MP 984/20, e sua respectiva aprovação, é uma boa notícia para o Futebol Brasileiro, certo?
A resposta é, talvez. Antes de uma conclusão, vale uma análise ampla dos impactos dessa mudança.
Quando o Clube de Regatas Flamengo liderou o processo de “libertação” desses contratos com as TVs, tinha como objetivo aumentar suas receitas e, desta forma, manter os investimentos em atletas e técnico.
O raciocínio é simples: grandes atletas e técnicos remetem à disputa e conquista de títulos, os quais atraem público e renda ao clube. Ou seja, um “time vencedor” aumentará suas receitas de: Bilheteria, Sócio Torcedor, Patrocínio e Licenciamento.
E, como as Receitas de TV são definidas por meio de contrato e apresentam, geralmente, teto de valores, os Direitos de TV não estão entre as receitas que aumentam de acordo com o desempenho do time vencedor. Conforme a quantidade de transmissões e a performance esportiva, especificamente no Campeonato Brasileiro, os times se aproximam ou se distanciam do teto defino em contrato.
O CR Flamengo, em 2019, recebeu, da Globo, R$ 66,7 milhões para retransmissão de seus jogos, no Brasileiro daquele ano – o equivalente a R$ 3,5 milhões por jogo em que foi mandante. Quando são considerados os valores referentes ao campeonato Carioca, o CR Flamengo recebeu, da mesma emissora, de R$ 18 milhões a R$ 2 milhões adicionais, por jogo em que foi mandante.
Embora apresentem teto de valores, os clubes concentram de 40% a 50% de seus contratos pagos de forma “garantida”, independentemente da fase do campeonato, adversário, horário, perspectiva esportiva, resultados pregressos e etc; características as quais impactam, seja positivamente ou negativamente, nas Receitas de Bilheteria ao longo da temporada.
Ao liderar um movimento que impõe às Receitas de TV a mesma flutuação à variação esportiva observada nas Receitas de Bilheteria, o CR Flamengo traz para si alguns inconvenientes. O principal deles é o aumento da incerteza em seu Fluxo de Caixa.
Há diversas variáveis que explicam a oscilação de público de uma partida, como você pode observar em um de nossos artigos anteriores. Usaremos estas variáveis como referência a este raciocínio (proxy). Considerando todas as variáveis que impactam a demanda de um jogo, em menor ou maior intensidade, os clubes controlam apenas “Preço” – seja de ingresso ou de acesso a plataforma de streaming que distribuirá o conteúdo.
Ou seja, o CR Flamengo trouxe para as Receitas de TV as seguintes incertezas/ flutuações relacionadas a: campeonato e a fase disputada, qualidade dos adversários, horários e resultados pregresso; não presentes anteriormente.
Trocar uma receita anual, de no mínimo R$ 85 milhões, que não inclui os valores referentes aos jogos transmitidos no formato pay-per-view, pode ser arriscado, especialmente considerando o choque de demanda que a economia nacional e mundial enfrentará, como resultado direto da pandemia da COVID-19. É preciso considerar, ainda, que os anunciantes, também em função do quadro econômico, serão mais criteriosos em seus investimentos em mídia e patrocínio.
Assim, o patrocínio do futebol, uma forma barata de garantir exposição na Globo, tende a ser revisto, uma vez que as transmissões tendem a ter menor audiência, gerando redução dos valores investidos pelos anunciantes, em função, também, da maior segmentação do público alvo.
Vejam que, além da incerteza em relação às Receitas de TV, a MP 984/20 também traz incertezas aos contratos de patrocínio dos clubes brasileiros. Mas, estas incertezas, com uma visão “vencedora”, será que não se pagam? Esse é o tema do nosso próximo artigo.
Até mais!
*Paulo Henrique Zago, sócio-diretor da Stadiumetric, é Mestre em Administração de Empresas e acumula mais de 10 anos de experiência como consultor nos setores de manufatura, serviços e esportes; projetos de desenvolvimento de negócios, planejamento de marketing e processos de reestruturação. Zago também liderou projetos focados em previsão da demanda e análise de preços, com fundamentação estatística, do desenvolvimento de Produtos. Além disso, ocupou cargos estratégicos na Rede, Vivo e Embratel.
**Rodolfo Ribeiro, sócio-diretor da Stadiumetric, é Mestre e Doutor em Administração de Empresas, e atua como professor de Planejamento de Negócios e Planejamento Estratégico em cursos de graduação. Além dos mais de 10 anos de experiência em consultoria e planejamento estratégico e de marketing, Ribeiro tem experiência na liderança de projetos focados na segmentação de clientes, previsão de demanda e análise de preços, baseados em fundamentação estatística, além do desenvolvimento de novos produtos. Ribeiro ainda acumula experiência na concepção e execução de pesquisas de marketing, utilizando métodos de análise conjunta, cluster, discriminante e anacor.
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