A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) está realizando um estudo inédito no país sobre a síndrome de Takotsubo, que vai criar um registro nacional sobre a doença. O mapeamento visa conhecer o perfil epidemiológico da síndrome no país para melhorar o diagnóstico, bem como proporcionar tratamentos mais eficazes e políticas públicas de prevenção à patologia.
Também conhecida como “síndrome do coração partido” e “cardiomiopatia por estresse”, ela ocorre quando os músculos do coração enfraquecem, causando dor no peito, falta de ar ou cansaço, sendo desencadeada por eventos estressantes e não por bloqueios na corrente sanguínea, mas se apresenta como se fosse ataque cardíaco e pode ser fatal em casos raros, mas ainda tem perfil desconhecido no país.
O cenário brasileiro sobre a síndrome pode estar igual ao que vem acontecendo nos Estados Unidos, onde médicos da Cleveland Clinic, em Ohio, descobriram um aumento da incidência de Takotsubo durante a pandemia de Covid-19. Em dois hospitais do sistema de saúde americano, os diagnósticos de cardiomiopatia por estresse aumentaram durante março e abril e a doença foi diagnosticada em 7,8% dos pacientes que chegaram ao pronto-socorro da instituição com dor no peito e outros possíveis sintomas cardíacos. Isso foi quatro a cinco vezes maior do que as taxas observadas nos períodos pré-pandêmicos, que oscilavam entre 1,5% e 1,8%, segundo o estudo publicado em julho na revista médica JAMA Network Open.
Foram analisados 1.914 pacientes por cinco períodos distintos ao longo dos dois meses, incluindo uma amostra de mais de 250 pacientes hospitalizados durante o pico inicial da pandemia. A média de idade da incidência da síndrome foi de 67 anos, majoritariamente em homens, contrariando os dados estatísticos que dizem que o maior acometimento da doença é em mulheres no período pós-menopausa. O curioso é que, embora a Covid-19 possa levar a complicações cardíacas, nenhum dos pacientes diagnosticados com Takotsubo descrita no artigo americano apresentou resultado positivo para a infecção.
“A pandemia por Covid-19 por si só gera grande estresse emocional, como acontece também em situação de guerra. A emergência em saúde devido ao novo coronavírus pode estar aumentando o número de infartos, de crises hipertensivas, de pessoas obesas, com ansiedade e depressão, em função de todo o contexto da pandemia, que causa falta de perspectivas e mudança de hábitos. Tudo isso leva a uma condição final de extremo estresse, que é gatilho para o desenvolvimento da síndrome de Takotsubo em indivíduos que têm predisposição genética”, explica o cardiologista Marcelo Westerlund Montera, coordenador do registro nacional da doença da SBC.
Mais um motivo para conhecer o perfil da síndrome no país que tem 14 milhões de pessoas acometidas por doenças cardiovasculares, responsáveis por mais de 30% das mortes no Brasil. São mais de 300 mil óbitos todos os anos, configurando um problema de saúde pública agora agravado pela pandemia do novo coronanvírus.
“O mapeamento da SBC sobre a síndrome de Takotsubo vai trazer para nós cardiologistas uma visão do comportamento da doença no Brasil, suas manifestações, se ela segue o padrão mundial e sua evolução, como toda doença deve ter. Vai ser um registro nacional pujante para ter uma visão plena e oficial da síndrome, o que é fundamental para se ter bases para melhor entendimento, melhor diagnóstico e, por fim, melhor tratamento”, afirma Montera.
O estudo teve início em junho, e até o momento 32 centros que atendem pacientes com problemas cardíacos em todo o país estão cadastrados na plataforma de banco de dados organizado pela SBC, por meio do Departamento de Insuficiência Cardíaca e do Grupo de Estudos de Cardiomiopatias da entidade. A estimativa é ter ao fim do registro os dados analisados de mais de 400 pacientes, o que representará um dos maiores arquivos mundiais sobre a síndrome feito por um único país.
Atualmente, o único levantamento disponível no Brasil sobre a doença é um estudo regional com 169 pacientes internados com diagnóstico de Takotsubo ou que desenvolveram essa condição durante a internação, entre outubro de 2010 e o mesmo período de 2017, em 12 hospitais do estado do Rio de Janeiro, que será publicado no próximo mês nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia da SBC. A análise trouxe que a média dos pacientes acometidos pela síndrome tinha 71 anos, era em sua maioria mulheres (90,5%), com prevalência de dor torácica (63,3%) e histórico de estresse emocional considerável, registrado aproximadamente em 40% dos casos.
“Os resultados mostram não se tratar de patologia benigna como se pensava. Há riscos de complicações e mortalidade. Estratégias de abordagem específica devem ser desenvolvidas a fim de melhorar a qualidade do atendimento e os desfechos clínicos desses pacientes”, orienta o presidente do Departamento de Insuficiência Cardíaca e coordenador da Universidade do Coração da SBC, Evandro Tinoco Mesquita.
Impacto da pandemia
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia dado o alerta sobre o impacto do coronavírus na saúde mental, prestando atenção especial ao isolamento da vida com distanciamento. E os médicos consideram que o cenário da pandemia colabora para o aumento de fortes emoções, responsáveis pela síndrome de Takotsubo, cuja primeira descrição foi registrada em 1991, no Japão. “Agora, o estresse da pandemia, do medo do vírus à perda de emprego, com a condição psicossocioeconômica das pessoas, não é difícil imaginar por que motivo a cardiomiopatia por estresse aumentaria”, afirma Mesquita.
Ele alerta para outro problema. O receio da contaminação também tem feito pacientes portadores de doenças cardiovasculares, e de outras doenças agudas, que necessitam de acompanhamento médico, negligenciarem a rotina de saúde, deixando de ir médico.
A SBC já vinha acompanhando a situação por causa da redução no número de atendimentos cardiológicos de urgência em o todo o país durante a pandemia. Como não havia informações consolidadas nem uma explicação única sobre a diminuição, apenas o fato de as pessoas não estarem chegando às emergências, mas mortes por causas cardíacas continuarem acontecendo, tendo a Covid-19 como um fator complicador, em parceria com a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil (Arpen-Brasil), a entidade analisou, interpretou e consolidou, com o apoio de médicos e pesquisadores das Universidades Federais de Minas Gerais (UFMG) e do Rio de Janeiro (UFRJ), os óbitos em domicílios por doenças cardiovasculares.
As informações disponíveis no Portal da Transparência (https://transparencia.
Somente as mortes em domicílio causadas por doenças cardiovasculares inespecíficas registraram um aumento de 90,06%. Foram 9.640 mortes durante a pandemia, ante 5.072 no mesmo período do ano passado.
Mesquita explica que a síndrome do coração partido representa 1% dos casos de infarto e pode ser que muita gente tenha tido a doença durante a pandemia e ficado em casa ou ter ido a óbito por morte súbita. “Por isso é tão importante a visão da SBC de implantar o registro nacional da síndrome de Takotsubo. Ter esse material muito bem documentado e chamar a atenção para o problema”, ressalta.
Para ele, esse mapeamento também cria um alerta para a comunidade cardiológica, porque não se sabia que a doença poderia afetar tanto as pessoas não infectadas pelo novo coronavírus, como mostrou a pesquisa americana. “Ela chamou a atenção para que olhemos também para a população sem Covid-19. Tendo dor no peito, com mais de 60 anos, sendo mulher na menopausa ou homem também nesta faixa etária, como mostrou o estudo da Cleveland Clinic, o que não é comum, deve-se procurar assistência médica, pois a síndrome de Takotsubo na fase aguda é potencialmente fatal e não se consegue distinguir facilmente do infarto.”
Diagnóstico e tratamento
O diagnóstico da síndrome do coração partido considera os dados obtidos no exame físico e no levantamento da história do paciente, assim como o resultado de exames laboratoriais de sangue, uma vez que a presença de certas enzimas na corrente sanguínea pode sugerir doença cardíaca.
Vencida essa primeira fase, exames não invasivos, como eletrocardiograma e ecocardiograma, raios-X de tórax, ressonância magnética e angiograma coronariano, são úteis para fechar o diagnóstico, pois ajudam a identificar a existência ou não de irregularidades na estrutura e no funcionamento do coração.
Não existe tratamento específico para a síndrome. Mesmo assim, ele pode ser útil para reduzir o esforço do coração durante o processo de recuperação e evitar novas crises.
Os medicamentos utilizados nessa fase são praticamente os mesmos indicados nos casos de insuficiência cardíaca grave associada ao infarto do miocárdio. São exemplos dessas drogas os inibidores ECA para controle da pressão arterial, os betabloqueadores para diminuir a frequência cardíaca, os diuréticos para reduzir a concentração de líquidos no organismo e os remédios para alívio do estresse.
Técnicas de relaxamento e meditação também podem trazer alguns benefícios, já que se trata de cardiomiopatia induzida por estresse.
Não existe nenhuma fórmula eficaz para prevenir a síndrome do coração partido, mas é fundamental estar sempre alerta a fim de identificar os agentes estressores que podem provocar danos no organismo. Nesse sentido, a prática regular de exercícios físicos já demonstrou sua eficácia no controle do estresse que sobrecarrega o coração.
SOBRE A SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA
Fundada em 14 de agosto de 1943, na cidade de São Paulo, por um grupo de médicos destacados liderados por Dante Pazzanese, o primeiro presidente, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), tem atualmente um quadro de mais de 13.000 sócios e é a maior sociedade de cardiologia latino-americana, e a terceira maior sociedade do mundo.