O primeiro ano de vida de um bebê é uma fase de intensas transformações para os pais, tanto do ponto de vista emocional quanto neurobiológico. Muitos casais enfrentam crises conjugais nesse período, e a ciência tem explicações para isso. Segundo o pós-PhD em Neurociências e mestre em Psicologia, Dr. Fabiano de Abreu Agrela, membro da Society for Neuroscience nos Estados Unidos, mudanças hormonais, alterações na estrutura cerebral e o impacto da privação de sono são fatores determinantes para esses conflitos.
Mudanças hormonais e impacto emocional
De acordo com o neurocientista, a principal mudança ocorre no sistema endócrino. “A oxitocina, conhecida como o ‘hormônio do vínculo’, tem um aumento significativo na mãe, fortalecendo sua conexão com o bebê e redirecionando seu foco emocional para os cuidados maternos. Em contrapartida, nos pais ou na outra parte da relação, a produção de oxitocina também pode aumentar, especialmente através do envolvimento ativo nos cuidados com a criança. No entanto, se esse vínculo for desigual e o parceiro não encontrar uma nova forma de conexão dentro dessa dinâmica, pode ocorrer um distanciamento afetivo no relacionamento.”, explica Dr. Fabiano.
Há um aumento nos níveis de cortisol, o hormônio do estresse, devido à sobrecarga física e emocional. “A privação de sono e a necessidade constante de atenção ao bebê ativam o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), resultando em estresse crônico. Isso impacta diretamente a regulação emocional, tornando os pais mais irritáveis e suscetíveis a desentendimentos”, detalha.
Outra alteração importante envolve a dopamina, neurotransmissor relacionado ao prazer e à motivação. Segundo o especialista, “a falta de momentos de lazer e intimidade reduz a liberação de dopamina e serotonina, tornando a rotina exaustiva e contribuindo para um distanciamento entre o casal”.
O cérebro dos pais também muda
Além da questão hormonal, a neurociência mostra que o cérebro dos pais passa por transformações estruturais. “Pesquisas indicam que há uma remodelação da substância cinzenta em áreas como o córtex pré-frontal e a amígdala. Essas regiões são responsáveis pela regulação emocional e pelo comportamento parental, o que significa que o cérebro se adapta para priorizar os cuidados com o bebê”, afirma Dr. Fabiano de Abreu.
Esse processo, embora natural, pode alterar a dinâmica conjugal. “Os circuitos neurais antes voltados para a conexão romântica agora são redirecionados para o instinto protetor, o que pode gerar um afastamento involuntário entre os parceiros”, acrescenta.
Impacto do perfil da criança no relacionamento dos pais
A intensidade da crise pode variar de acordo com o desenvolvimento e as necessidades da criança. Para pais de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), por exemplo, o desafio é maior devido à necessidade de manter rotinas rígidas e à dificuldade de interpretar sinais emocionais da criança. Já pais de crianças superdotadas podem enfrentar um desgaste mental pelo alto nível de estimulação exigido.
No caso de crianças com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), a impulsividade e a necessidade constante de monitoramento podem aumentar o estresse dos cuidadores. Além disso, famílias de bebês com problemas de saúde ou condições neurológicas específicas enfrentam uma ativação constante do sistema de resposta ao estresse, intensificando o impacto emocional no casal.
Como minimizar os impactos?
Segundo o neurocientista, existem estratégias baseadas na neurociência para reduzir esses conflitos e preservar o relacionamento. “A hábitos que transitam pensamentos, relaxamento, contato com a natureza, a regulação do sono e a atividade física são formas eficazes de modular os níveis de cortisol, promovendo um equilíbrio emocional mais estável”, sugere.
Outra recomendação é reforçar a liberação de dopamina e oxitocina por meio de interações afetivas intencionais. “Pequenos gestos de carinho, conversas significativas e momentos de relaxamento conjunto são essenciais para manter a conexão do casal”, afirma Dr. Fabiano de Abreu.
Para casais que enfrentam dificuldades mais intensas, a terapia cognitivo-comportamental pode ser uma ferramenta importante. “A reestruturação cognitiva ajuda os pais a reorganizarem suas expectativas, minimizando a sensação de sobrecarga e resgatando a parceria dentro da parentalidade”, conclui o especialista.
O primeiro ano da criança representa um grande desafio para o casal, mas compreender os mecanismos neurocientíficos por trás dessas dificuldades pode ajudar na busca por soluções eficazes, promovendo um ambiente mais equilibrado tanto para os pais quanto para o bebê.