Por Lucas Catharino de Assis, advogado tributarista (lucas@henriquef.com.br)
A Receita Federal, em sua mais nova cartada, nos brindou com a Instrução Normativa RFB nº 2.222/2024, oferecendo ao contribuinte a opção de atualizar o valor de seus imóveis a preço de mercado e pagar uma “módica” alíquota de 4%. Agora, quem poderia resistir a tamanha generosidade?
Mas, como já dizia o ditado popular, quando a esmola é demais, o santo desconfia. Vamos desmontar essa oferta irresistível e entender por que, na realidade, o contribuinte pode acabar levando gato por lebre.
Primeiro, a ideia parece um sonho: atualizar o valor do imóvel para o valor de mercado e pagar 4% sobre a diferença. Parece uma baita economia em comparação aos habituais 15% que incidem sobre o ganho de capital.
Contudo, há um pequeno detalhe que a Receita não faz questão de destacar tanto: você, contribuinte, terá que manter o imóvel por quinze anos no seu patrimônio para usufruir plenamente dessa “vantagem”. Isso mesmo, é um pacto que mais parece um casamento daqueles antigos, onde o divórcio era mal visto e os compromissos eram para toda a vida.
E por que isso é um problema? Suponha que, em vez de correr para atualizar o valor do seu imóvel e pagar os 4% agora, você investisse essa mesma quantia em uma aplicação financeira que rendesse a SELIC por 15 anos. Ao final desse período, o retorno financeiro seria bem superior à “economia” que você fez ao pagar a alíquota reduzida de 4% no lugar dos 15% aplicáveis ao ganho de capital. Em outras palavras, no final das contas, você teria mais dinheiro em mãos se optasse por um investimento conservador do que pela suposta economia que a Receita está oferecendo. Parece que, no fundo, essa “economia” vai acabar saindo cara, não?
Ademais, a IN ainda coloca uma série de condições e amarras para o caso de venda do imóvel antes dos 15 anos. Se você decidir vender em menos tempo, terá que aplicar fórmulas complexas que resultam em percentuais de ganho de capital. E a cada três anos, essa mordida vai ficando mais generosa (para a Receita, é claro), até atingir o 100% de ganho de capital ao final dos 15 anos. Ou seja, aquele alívio inicial dos 4% vai sendo progressivamente corroído caso você opte por não segurar o imóvel por tanto tempo.
Como se não bastasse, essa medida é vendida como uma forma de “aliviar” o contribuinte na hora de atualizar o patrimônio imobiliário. Contudo, basta um pouco de matemática financeira básica para entender que, no longo prazo, essa esmola vai acabar saindo cara demais. Ou você mantém o imóvel amarrado por uma década e meia, ou paga a conta de forma escalonada com as fórmulas da Receita que, no final, não são nada benevolentes.
Fica claro que a Receita, disfarçada de generosa, está mais interessada em arrecadar logo, com o benefício de queimar etapas e se antecipar aos ganhos de capital que seriam apurados lá na frente. E o contribuinte, bem… esse vai ficando com o papel de sempre: pagar a conta sem perceber que, na realidade, a grande vantagem está com quem oferece a “esmola”. Como diz o ditado, cuidado com as promessas fáceis, pois o preço a pagar pode ser bem maior do que parece.
Então, se você está pensando em aderir à atualização do valor do seu imóvel e acredita que essa alíquota de 4% é uma grande oportunidade, pense duas vezes. Às vezes, gato por lebre vem tão bem disfarçado que só percebemos o truque muito tempo depois. E a Receita, ao que tudo indica, está muito confortável nessa posição de quem oferece a lebre. No fundo é um “belo gatinho”.