por Claudia de Lucca Mano e Alexia Mueller
A morte e diversas ocorrências de danos estéticos de pacientes por procedimentos realizados por dentistas implodiu um grande crise no Conselho Regional de Odontologia do Estado de Minas Gerais. O Conselho Federal de Odontologia destituiu, no final de agosto, todos os membros que integravam a administração do CRM-MG, instituindo uma administração provisória na entidade, até novas eleições. A medida foi motivada por investigações que concluíram por atos de improbidade administrativa cumulados a malversação de verba pública, locupletamento indevido de bens e propriedades do Conselho mineiro, acarretando prejuízos à integridade física e à vida dos pacientes, violação aos princípios constitucionais da legalidade e impessoalidade, além de denúncias de assédio moral e sexual sofridas por funcionários da entidade.
A maioria das denúncias envolve o então presidente do CFO-MG, Raphael Castro Mota, acusado de assédio sexual e possível desvio de verbas da entidade.
Um dos fatores que provocou a decisão da entidade federal teria sido uma série de ocorrências e eventos adversos de danos ou mortes de pacientes envolvendo procedimentos feitos por dentistas em Minas Gerais.
Vale destacar o caso, no início de setembro deste ano, de uma mulher de 63 anos que veio a óbito depois de apresentar complicações ocorridas em cirurgia estética de blerafoplastia – a retirada da pele das pálpebras; lifting – a redução das rugas do rosto; e a correção da flacidez do pescoço pelo odontólogo Fernando Lucas Rodrigues. Em julho, outra dentista mineira — Camilla Groppo — já havia sido indiciada após denúncias de mais de 20 mulheres, por fazer lipoaspirações de papada que resultaram em infecções severas em pacientes.
A popularização de procedimentos estéticos tem chamado atenção de inúmeros profissionais da saúde, que se lançam no mercado oferecendo serviços para bem estar e beleza em redes sociais. O problema é que nem sempre o profissional é autorizado ou qualificado para os procedimentos.
Desde 2019, o CFO reconhece que dentistas podem fazer harmonização orofacial (HOF), autorizando os profissionais, devidamente qualificados em cursos de especialização reconhecidos, a fazer uso da toxina botulínica, preenchedores faciais, além do uso de biomateriais indutores percutâneos de colágeno, lasterterapia, bichetomia, e lifting (correção dos lábios).
Por outro lado, a Resolução CFO 230/2020 estabelece a proibição de realização de cirurgias estéticas faciais por dentistas, incluindo, mas não se limitando a blefaroplastia, alectomia, cirurgia de castanhares ou lifting de sobrancelhas, otoplastia, rinoplastia, ritidoplastia ou face lifting, e platismaoplastia, reforçando a necessidade de aderência estrita às competências profissionais designadas.
A questão lança luz sobre as graves consequências advindas da prática de cirurgias estéticas não autorizadas por profissionais de saúde, com enfoque particular na situação alarmante observada no Conselho Regional de Odontologia de Minas Gerais.
Os casos recentes levantam questões sobre a eficácia da regulamentação e supervisão das práticas odontológicas no Brasil que cabe ao Conselho Regional do estado onde o dentista tem sua prática.
A intervenção no Conselho Regional de Odontologia de Minas Gerais é vista como essencial para garantir a segurança dos pacientes e a conformidade com as diretrizes do Conselho Federal de Odontologia, bem como o regular funcionamento da entidade do estado.
As acusações contra Fernando Lucas Rodrigues por homicídio doloso e exercício ilegal da medicina sublinham a urgência de reforçar as restrições e sanções contra dentistas que ultrapassam os limites de sua competência profissional.
O exercício irregular da medicina, odontologia ou farmácia configura crime tipificado no artigo 282, do Código Penal, com sanção de detenção que varia de seis meses a dois anos, além da imposição de multa. Quando o odontólogo faz uma cirurgia que ultrapassa os limites de sua competência profissional, acaba por invadir o âmbito privativo dos médicos, incorrendo neste crime. A pena poderá ser majorada caso o crime resulte em lesão corporal de natureza grave ou, ainda, se a consequência for o falecimento da vítima.
Além do crime de exercício ilegal da profissão, o dentista Fernando Lucas Rodrigues também poderá ser responsabilizado por homicídio doloso, que se caracteriza quando um indivíduo tem a intenção de matar outra pessoa ou assume o risco de provocar a morte.
Como exemplo da fiscalização que deve ser exercida por entidades que regulam profissões de saúde, em fevereiro de 2024, o CFO-SP conseguiu impedir a realização de um curso de blefaroplastia por dentistas. A cirurgia que envolve a remoção de excesso de pele na região dos olhos está fora do escopo de atuação dos dentistas.
É notória a necessidade de uma regulamentação rigorosa e uma fiscalização efetiva para prevenir práticas ilegais e promover a segurança dos pacientes, destacando a importância de uma conduta ética e responsável por parte dos profissionais de odontologia.
Claudia de Lucca Mano é advogada, sócia fundadora da banca De Lucca Mano Consultoria, consultora empresarial atuando desde 1994 na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios
Alexia Mueller é advogada da banca DLM CONSULT