por Claudia de Lucca Mano
A regulamentação dos cigarros eletrônicos está na pauta da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal. Após tentativas de votação no primeiro semestre, o texto que regulamenta a produção, a comercialização, a fiscalização e a propaganda dos cigarros eletrônicos no Brasil (PL 5.008/2023) pode ser votado no começo do mês de setembro.
O projeto é de autoria de Soraya Thronicke (Podemos-MS) e pretende liberar a produção, importação, exportação, comercialização e o consumo dos cigarros eletrônicos em todo o território nacional. O projeto de lei torna obrigatório registro sanitário para os cigarros, junto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com a taxa sanitária de R$ 100 mil. A proposta porem dispensa o registro para produtos sujeitos exclusivamente a exportação, vedada a reentrada no Brasil.
Importante destacar que a Anvisa proíbe os cigarros eletrônicos desde 2009.
No final de 2023, a Agência revisitou o tema e havia expectativa de que a trilhasse o caminho da regulamentação dos dispositivos eletrônicos para fumar, conhecidos como cigarros eletrônicos, vapes, pods, e-ciggarettes, e-pipe, e-cigar e heat not burn. Com a manutenção da proibição, a Anvisa frustrou entusiastas da redução de danos, empresas e cidadãos interessados numa regulamentação mais proativa. A redução de danos interessaria aos tabagistas, que enxergam no vape a possibilidade de trocar o cigarro convencional por uma alternativa que (acreditam) seja menos prejudicial.
Segundo dados do Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), do final do ano passado, quase 3 milhões de brasileiros já consumiam o produto no Brasil. Mesmo que o consumo de cigarros seja proibido para menores de 18 anos, dados do IBGE indicam que 18% dos adolescentes, entre 13 e 17 anos, fazem uso do vape.
Evidente que existe um mercado ilegal que abastece os consumidores brasileiros, com produtos contrabandeados. Esse é o ponto mais frágil do projeto que vai a votação: ao dispensar o controle sanitário de produtos supostamente exclusivos para exportação, o PL facilita tremendamente a logística do comercio ilegal. Claro, se hoje, os importados já chegam aos pontos de venda em quantidade e variedades que fazem duvidar da proibição, com a produção dentro do território nacional, sem registro na Anvisa, o buraco tende a ser ainda maior.
Um ponto positivo do projeto é o que determina que a Anvisa realize a comparação toxicológica entre o cigarro eletrônico e o cigarro convencional para avaliar se a versão eletrônica, objeto de pedido de registro, oferece risco inerente à saúde maior, igual ou menor que o risco inerente ao consumo do convencional. Com isso, o Brasil se posicionaria na corrente de redução de danos, a exemplo de países como o Reino Unido que tem politicas públicas que estimulam usuários a trocar o tabagismo convencional pelo cigarro eletrônico.
Acredito que regulamentando, criando parâmetros, controlando a qualidade, a toxicidade e a composição dos produtos, a Anvisa teria ferramentas para proteger a sociedade brasileira dos cigarros eletrônicos clandestinos, que hoje inundam o mercado e são vendidos sem qualquer controle, e consumidos por adolescentes.
No passado, o Congresso Nacional desafiou a Anvisa e perdeu a briga. Isso no caso da liberação de anorexígenos emagrecedores, objeto de proibição pela Agência em 2014. Na ocasião, foram banidas substâncias como femproporex, mazindol e anfepramona. Em reação, o Congresso aprovou a Lei Federal 13.454/2017, liberando o consumo. Mesmo assim, a Anvisa barrava os pedidos de importação. E as vigilâncias sanitárias locais continuavam apreendendo os anfetaminicos, ignorando a liberação do Congresso. Os produtos eram obtidos em plantas de farmoquímicos situadas em território nacional. Por anos, foi tema de judicialização, para garantir o acesso de farmácias e pacientes a produtos manipulados a base de anoréxicos, considerados por alguns médicos como importantes no tratamento de obesidade grave.
O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal, que decidiu em 2021 por invalidar a lei federal, confirmando que a Anvisa é o órgão competente para decidir sobre o uso de substâncias que podem afetar a saúde da população.
Portanto, mesmo que avance no Senado a regulamentação do cigarro eletrônico, a Anvisa precisará regulamentar, analisar processos de liberação de importados e nacionais, fiscalizar cargas de fora do Brasil, definir parâmetros analíticos. Situação que permite a Agência lançar mão de inúmeros instrumentos regulatórios restritivos ou até impeditivos para o setor. É muito provável que o tema pare novamente nas mãos do Judiciário, causando incertezas e insegurança jurídica.
Sobre a autora:
Claudia de Lucca Mano é advogada e consultora empresarial atuando desde 1999 na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios, fundadora da banca DLM e responsável pelo jurídico da associação Farmacann