Pular para o conteúdo

Do rótulo às telas: o papel da mídia ao divulgar informações sobre medicamentos

De acordo com Thiago de Melo, farmacêutico e pesquisador, uma compreensão mais profunda das informações fornecidas nas bulas é crucial para garantir que as interações medicamentosas sejam entendidas corretamente

Por meio de interações medicamentosas, muitas vezes a mídia desempenha um papel crucial em moldar a percepção pública sobre determinados medicamentos. Recentemente, uma emissora de Televisão trouxe à tona um debate sobre o Engov, um remédio popularmente reconhecido como solução para a ressaca. No entanto, a reportagem abordou o assunto como se fosse uma descoberta surpreendente, ressaltando que a indicação de cura para a ressaca não consta na bula do medicamento.

A realidade na bula: contradições e contraindicações

A verdade é que a indicação nunca foi oficialmente recomendada na bula do produto Engov. Contrariamente ao que foi apresentado, a contraindicação para o uso do medicamento em conjunto com a ingestão de bebidas alcoólicas sempre esteve clara.

De acordo com Thiago de Melo, farmacêutico e pesquisador na área de Ciências Farmacêuticas, professor de pós-graduação nos cursos de Ciências Farmacêuticas e Farmacologia e no curso de graduação de Medicina pela Universidade Vila Velha (UVV), esse contrassenso revela uma complexidade em como os medicamentos são divulgados pela mídia e percebidos pelo público. “É compreensível que o Engov seja promovido como uma solução rápida para os efeitos indesejados de uma noite regada a álcool. No entanto, essa promoção contradiz as orientações fornecidas pelos próprios fabricantes na bula do medicamento”, alerta o especialista.

A presença de ácido acetilsalicílico e cafeína na formulação podem aumentar a chance de lesões no estômago com o álcool ingerido, podendo gerar até sangramentos gastrointestinais. “Além disso, contém mepiramina, substância que possui efeitos semelhantes ao famoso “Dramin” podendo aumentar a sonolência juntamente com o álcool”, revela.

 

O papel da mídia na divulgação de medicamentos

O engajamento da mídia nesse tipo de divulgação pode criar uma falsa sensação de segurança entre os consumidores, que podem não estar cientes das implicações potenciais para a saúde.

Ele aponta que, por essa razão, o papel da mídia na disseminação de informações sobre medicamentos deve ser sempre cuidadosamente avaliado, considerando não apenas o potencial sensacionalismo, mas também o impacto na saúde pública. “Em muitos casos, as notícias sobre interações medicamentosas podem ser interpretadas de maneira equivocada pelo público, levando a decisões inadequadas sobre seu uso”, pontua.

Para promover uma comunicação mais precisa, é essencial que a mídia aborde questões relacionadas a medicamentos de maneira objetiva e contextualizada. “Em vez de apresentar informações como grandes revelações, é necessário contextualizar a situação e fornecer ao público uma compreensão mais abrangente das recomendações dos profissionais de saúde e das diretrizes das bulas”, alerta.

Além disso, Thiago acredita que é fundamental destacar a importância da consulta a profissionais de saúde antes de iniciar qualquer regime de medicamentos. “A automedicação, muitas vezes incentivada por informações imprecisas ou mal interpretadas na mídia, pode resultar em sérios riscos à saúde”, declara.

O caso do Engov destaca a necessidade de uma abordagem mais responsável por parte da mídia ao relatar questões relacionadas a medicamentos. “A educação do público sobre o uso adequado de medicamentos, juntamente com uma compreensão mais profunda das informações fornecidas nas bulas, são passos cruciais para garantir que as interações medicamentosas sejam entendidas corretamente e que a saúde pública seja protegida”, finaliza.

*Thiago de Melo Costa Pereira é pesquisador, professor, palestrante e escritor. Ao longo de sua carreira, tem demonstrado a importância da educação continuada em farmacologia para os profissionais de saúde do Brasil. De uma forma dinâmica e aplicada ao contexto prático nacional, suas aulas de farmacologia têm sido fonte de inspiração para gerações de alunos tanto de graduação quanto de pós-graduação.

Farmacêutico desde 2002, graduado em Farmácia pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Mestre (2005), Doutor (2009) em Ciências Fisiológicas pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e Pós-Doutor em Farmacologia pela Universidade de Santiago de Compostela- Espanha (2018).

Atualmente é pesquisador na área de Ciências Farmacêuticas e professor de pós-graduação (Ciências Farmacêuticas e Farmacologia), graduação (Medicina) – Universidade Vila Velha (UVV).

Já publicou mais de 75 artigos em revistas científicas internacionais (fator H= 30). É pesquisador bolsista do CNPq (2A, área de farmácia) e autor do livro “Biblioquímica – Evidências das Ciências Biomédicas na Bíblia”.

Para mais informações, acesse o site, no instagram @farmaconapratica e também pelo canal no YouTube, que atualmente conta com 215 mil inscritos.