Diferenças entre buscar esse direito via pedido administrativo ou judicial
O direito à isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) por doença grave está previsto na Lei 7.713/88 e é um benefício importante para muitos contribuintes. A isenção se destinada aos servidores públicos aposentados, militares inativos e seus pensionistas, também abrange os beneficiários de previdência privada e os aposentados do RGPS. Entre as doenças listadas na lei constam a neoplasia maligna (isto é: câncer de qualquer espécie), cardiopatias graves, cegueira (mesmo quando monocular) e AIDS/HIV assintomático.
Diferentemente de como ocorre na área previdenciária em que é necessário percorrer a via administrativa antes da via judicial, a solicitação da isenção do IRPF pode ser formulada tanto administrativamente quanto diretamente no Judiciário, por meio de ação judicial.
Como exemplo, o Ministro Nunes Marques, no REx 1.398.984, assinala que os Ministros do STF já se pronunciaram, em diversas decisões, reconhecendo o Direito de ação quanto aos pedidos de isenção do Imposto de Renda formulados por pessoa física acometida por doença grave.
Vamos então analisar as diferenças entre os processos administrativos e judiciais
Para facilitar sua leitura, primeiro vamos tratar das regras dos processos administrativo e judicial. Depois, trataremos da documentação médica e da ausência de sintomas contemporâneos das doenças. Por fim, vamos tratar da realização (ou não!) de Perícias Médicas e dos prazos legais.
As regras dos processos administrativo e judicial
Nos processos administrativos federais aplica-se a Lei 9.784/199, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Já nos Estados e Municípios, aplica-se a Lei local – como a Lei Estadual nº 10.177/1988 no Estado de São Paulo e a Lei 14.141/2006 no Município de São Paulo – ou a legislação federal, quando não houver norma local. Além disso, no processo administrativo, a Administração Pública, que normalmente exerce funções administrativas, exerce também a função judicante. Ou seja: no mesmo processo, a Administração desempenha dois papéis distintos: o papel de “parte” e o papel de “Juiz”.
Assim, diferentemente de como ocorre no processo judicial, a principal finalidade do processo administrativo não é necessariamente solucionar o problema entre o contribuinte e o Poder Público, mas sim controlar a legalidade dos atos de constituição do crédito tributário. Portanto, uma das principais diferenças entre buscar a isenção de Imposto de Renda na via administrativa e buscá-la na via judicial é que, enquanto no processo judicial são aplicadas as normas de processo civil – observando-se as regras do ordenamento jurídico como um todo – o processo administrativo é dirigido pelo chamado princípio da legalidade, o que significa que a Administração Pública atua estritamente de acordo com a Lei – que muitas vezes está desatualizada – no intuito de manter justamente o controle da legalidade.
Sobre os Laudos Médicos e o diagnóstico contemporâneo da doença
Um bom exemplo da diferença entre os processos administrativos e judiciais é que, no âmbito administrativo, a Administração Pública exige que a comprovação da doença grave seja feita por meio de Laudo Médico Oficial. Isto é: por laudo emitido pela rede pública, em razão do (ultrapassado!) Art. 30 da Lei 9.250/96. Deste modo, caso o contribuinte não comprove a doença através de um Laudo Médico Oficial, seu pedido de isenção será indeferido. Por outro lado, no âmbito judicial o Superior Tribunal de Justiça – STJ definiu, através da Súmula 598, que qualquer documento médico, ainda que particular, serve para a obtenção da isenção. Isso, obviamente, desde que comprove a doença.
Assim, por exemplo, um exame anatomopatológico é capaz de comprovar uma neoplasia maligna, mesmo sem um laudo médico a respeito. Outro exemplo é que, quando a isenção do IRPF é concedida através de processo administrativo, em regra a Administração Pública condiciona a isenção à contemporaneidade dos sintomas da doença e estipula um prazo de validade. Agindo assim, a Administração contraria o entendimento do STJ, constante na Súmula 627.
Conforme a Súmula, de que para fins de isenção de IRPF é desnecessária a demonstração da contemporaneidade dos sintomas da doença ou da recidiva da enfermidade, sendo assim descabida qualquer fixação de prazo para a isenção. Diante disso, como a Administração Pública atua de forma restrita e limitada à lei/legalidade, é bastante habitual que pedidos de isenção de IRPF sejam negados aos aposentados e pensionistas com diagnóstico de doenças graves, quando ausente laudo médico oficial ou sintomas contemporâneos da enfermidade. Por outro lado, a isenção do imposto de renda concedida através de processo judicial, diferentemente de como ocorre na via administrativa, tem caráter vitalício.
“É em virtude disso que o TJDFT concedeu a isenção, em 2023, a uma pessoa acometida por câncer em 1996 e que não teve, desde então, recidiva da doença.” explica o advogado tributarista Guilherme Torres, especialista em isenção do IRPF.
Da realização (ou não!) de Perícias Médicas
Em razão da exigência de um Laudo Médico Oficial, nos processos administrativos, há a realização de Perícia Médica. Já nas ações judiciais, como não se exigem sintomas contemporâneos da doença nem Laudo da rede pública, a realização da Perícia depende da documentação apresentada e da compreensão do Juiz.
O dr. Guilherme Torres exemplifica “Já tivemos um processo no qual o Juiz entendeu ser necessária a realização de Perícia para comprovação de neoplasia maligna e outro em que o Juízo entendeu que era preciso uma Perícia sobre cardiopatia grave. Mas a Fazenda Nacional [no processo sobre câncer] e o Estado do Rio Grande do Sul [no processo sobre cardiopatia grave] reconheceram que não havia necessidade de realizar Perícias e não se opuseram aos pedidos de isenção”.
Dos prazos legais
Nos processos administrativos, o prazo para decisão consta na Lei 9.784. “Segundo o Art. 49 da Lei, concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir. Ou seja: depois de realizada a Perícia Médica – para a qual não há um prazo claro na legislação – a Administração Publica tem 30 dias para decidir o pedido de isenção, que pode ser prorrogado por igual período e nem sempre é cumprido.” esclarece o advogado Fabrício Klein.
Já os processos judiciais de contribuintes com diagnóstico das doenças listadas no Art. 6º XIV da Lei 7.713/1988 tramitam com prioridade legal, por força do Art. 1.048 I do Código de Processo Civil – CPC.
A respeito dos prazos, o dr. Fabrício enfatiza que já houve muitos processos judiciais em que decisões liminares foram favoráveis aos contribuintes em menos de 10 dias e que já houve, inclusive, processos com a Sentença (que é a decisão final, favorável ao contribuinte) em cerca de um mês. Assim, o advogado afirma que “o Judiciário tem demonstrado muita sensibilidade e atuado com rapidez e eficácia nos processos de isenção do Imposto de Renda, merecendo nosso reconhecimento e destaque”.
Neste contexto, Torres encerra destacando que “infelizmente a prática nos demonstra que o indeferimento dos pedidos administrativos de isenção, de forma ilegal e sem observar todos os aspectos da questão, é cotidiana, sujeitando muitos contribuintes a um dissabor indevido. Mas felizmente a Justiça cumpre seu papel e tutela o Direito à isenção do Imposto de Renda”.
É por tudo isso que o STF estabeleceu a possibilidade de se buscar a isenção do Imposto de Renda diretamente no Judiciário, conforme se extrai das palavras do Ministro Alexandre de Moraes, registradas no julgamento do REx 1.345.063, de que “é desnecessário prévio requerimento administrativo para fins de reconhecimento de isenção tributária e para fins de Repetição de Indébito, sob pena de ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no Inciso XXXV do Art. 5º da Constituição Federal”.