Por Fabrizio Postiglione
Estudo a cannabis medicinal desde 2009. Me formei e trabalhei na Inglaterra, onde tive acesso a informações e contato com os primeiros empreendimentos e estudos da planta. Em 2018 me juntei a um grupo no Oregon, Estados Unidos, que precisava de liderança para crescer de forma acelerada e organizada. Foi aí que tive a oportunidade de vivenciar o crescimento de uma fazenda que cultivava mil pés de cannabis medicinal, com seis genéticas, e, com meu apoio, passou para 14 mil pés, com 8 genéticas.
Pude vivenciar e dominar cada etapa do cultivo até a comercialização. O processo e a atenção basicamente começam na avaliação do solo. Uma vez que temos a confirmação de que ele está puro e livre de impurezas, metais pesados e de pesticidas, podemos prepará-lo para receber as plantas que, por sua vez, já foram germinadas nos berçários.
Esse cuidado com o solo é necessário porque a planta da cannabis suga todos os nutrientes, bons ou não, e isso se reflete na qualidade do produto final. Por essa característica, há agricultores que utilizam a cannabis como entressafra, para limpar o solo contaminado. Neste caso, a planta não deve ter a finalidade medicinal, mas pode, por exemplo, ser utilizada na área têxtil.
Assim como o solo, a água utilizada na irrigação deve ser pura e ser distribuída na quantidade correta de acordo com o clima. Inclusive, para se adaptar ao clima, muitas vezes é preciso testar e elaborar novas genéticas e assim garantir um melhor resultado.
Concluída essa etapa é o momento de trazer vida às sementes. Com luzes naturais, ou até mesmo com ajuda de luz artificial até que elas germinem e tomem uma proporção forte o suficiente para se tornarem lindas e grandes árvores. Esse estágio fazíamos em espaços fechados e controlados, os chamamos de berçários. Quando atingem 10 centímetros de altura estão prontas para serem replantadas em vasos maiores, se mantidas indoor, ou direto para o solo, se outdoor.
Muitas vezes nesse estágio as plantas ainda estão delicadas e precisam de atenção especial para se desenvolverem. Por vezes é necessário identificar as mais fracas e lhes dar atenção especial. Na fazenda, elas recebiam esses cuidados extras numa área que chamavámos de enfermaria.
As que não precisam de cuidados extras, também devem ganhar atenção, afinal estão no que chamamos de estágio vegetativo, onde precisam do máximo de horas de luz possível, algo em torno de 18 por dia. Seguindo esse caminho, em cerca de 16 semanas a mudinha terá se tornado uma grande árvore, com até 4 metros de altura.
Essas plantas são altamente fotossensíveis e a partir do momento que a quantidade de luz se iguala com a falta de luz, automaticamente como uma passe de mágica a cannabis começa a florir!
Nesta fase cada pé deve ser analisado para que possamos identificar as plantas macho e retirá-las do cultivo, para não deixar que polinizem as fêmeas e evitar a aparição de flores repletas de sementes, o que reduz a produtividade dos canabinóides. Normalmente, quando identificamos um macho, ele é descartado ou colocado em isolamento para podermos fazer a polinização controlada.
Muitas vezes, enquanto as flores não estavam 100% maduras para serem colhidas, passávamos colhendo as que estavam e normalmente eram as famosas top buds, as flores do caule central, na maioria das vezes eram as maiores. Uma ou duas semanas mais é o suficiente para o restante maturar e ser colhido. É preciso atenção com as chuvas, que podem por toda a colheita a perder.
A próxima fase é a da secagem. Umidade e ventilação do espaço de secagem são essenciais para as plantas mofarem. Também não podemos deixá-las secar. É uma etapa delicada que exige atenção redobrada.
Na sequência, vem o armazenamento, que deve ser feito num ambiente limpo, com temperatura e umidade controlados, para que possam ser encaminhadas ao destino final, que pode ser o despacho para compradores ou para laboratório de extração, que pode ser feita de duas maneiras mais comuns no âmbito medicinal, a extração com álcool ou com CO2, para, em seguida, ser direcionado ao isolamento das moléculas, tudo depende da finalidade e do produto final que desejamos elaborar.
Finalmente, depois da extração, destilamento ou isolamento, essas substâncias são misturadas com outros ativos, veículos ou diluentes e chegamos à elaboração de um produto final.
Lembrando que em cada estágio são feitas análises para garantir a melhor qualidade dos insumos. Com esses certificados de análise de cada etapa podemos comercializar a cannabis em muitos estágios, sendo os mais comuns:
- Biomassa, estágio logo após a curagem compradas normalmente por laboratórios de extração;
- Flor trimmed para fins recreativos ou medicinais quando vaporizados;
- Extrato para produção de produtos finais ou até mesmo para isolamento das moléculas e
- Produtos finais.
Aqui passei uma explicação de cada estágio que vivenciei. Note o quanto é importante termos total atenção em cada fase, pois um pequeno descuido pode comprometer a qualidade do produto e inviabilizar seu uso, principalmente para fins medicinais, cujos benefícios são aclamados em todo o mundo no tratamento de vários tipos de doenças.
Fabrizio Postiglione é fundador e CEO da Remederi, farmacêutica brasileira que promove o acesso a produtos, serviços e educação sobre a cannabis medicinal. É formado em Negócios e Economia pela Universidade de Plymouth, na Inglaterra. Estuda a planta há mais de 10 anos e atuou em todo o processo de produção e comercialização da cannabis nos Estados Unidos.