Por Sandra Gomes de Barros
Sim, 14 de abril já passou, mas sempre é tempo de falar sobre a conscientização que a o Dia Mundial da Doença de Chagas propõe. Afinal, embora seja uma doença antiga, com mais de 120 anos de história registrada, a Doença de Chagas permanece contagiando muita gente e, em mais casos do que deveria, matando milhares de pessoas em todo o mundo. Presente em mais de vinte países somente no continente americano, estudos mostram que 90% das pessoas portadoras da doença desconheçam sua condição por falta de acesso a um diagnóstico adequado, o que revela que, além de tudo, ela também continua negligenciada pelas políticas de saúde em muitos lugares.
A doença de Chagas afeta mais de 6 milhões de pessoas em todo o mundo, a maioria delas na América Latina. Entretanto, devido ao aumento da mobilidade da população, a doença é cada vez mais detectada em outros países e continentes. Cerca de 30 mil novos casos e 10 mil mortes são relatados na América Latina a cada ano. No Brasil, o número médio de casos e óbitos é relativamente baixo, mas como as mortes se concentram em apenas um estado do país (no Pará), é importante ressaltar a importância da criação de políticas públicas regionais específicas para reduzir a proliferação da doença no Norte do Brasil.
Embora muitos acreditem que a Doença de Chagas é transmitida pela picada do barbeiro, não é isso que ocorre. A transmissão acontece quando a pessoa que foi picada coça o local e as fezes eliminadas pelo barbeiro penetram pela pequena ferida da picada. As fezes do barbeiro contêm o protozoário chamado Trypanosoma cruzi, é ele que gera a doença.
A transmissão pode também ocorrer por transfusão de sangue contaminado e durante a gravidez, da mãe para filho.
Ao ser infectado, o novo portador da Doença de Chagas pode apresentar sintomas como febre, mal-estar, inflamação e dor nos gânglios, vermelhidão e inchaço nos olhos, aumento do fígado e do baço. Porém, como muitas vezes a a febre tende a desaparecer rapidamente, muitas pessoas não dão a atenção necessária para o problema. Em alguns casos, os sintomas não são percebidos e a pessoa descobre a doença 20 ou 30 anos depois de ter sido infectada.
Assim que cai na circulação sanguínea, o Trypanosoma cruzi imediatamente afeta os gânglios, o fígado e o baço. Em seguida, atinge coração, intestino e esôfago e vai deixando suas marcas. Nas fases crônicas da doença, pode haver destruição da musculatura desses órgãos, além de flacidez provocada pelo crescimento, e um aumento substancial do coração, do cólon e do megaesôfago. Essas lesões são definitivas e irreversíveis.
A doença de Chagas pode não provocar lesões importantes em pessoas que apresentem resposta imunológica adequada, mas pode ser fatal para outras. Por isso, é extremamente importante atentarmos para o diagnóstico. O período de incubação dura de cinco a 14 dias após a infecção pelo protozoário e o diagnóstico é feito através de exame de sangue, que deve ser prescrito, principalmente, quando o paciente vem de zonas endêmicas e apresenta os sintomas acima relacionados.
Caso se confirme que a pessoa é portadora, o tratamento deve ser iniciado imediatamente – vale destacar que essa intervenção costuma ser satisfatória na fase aguda da doença, que ocorre enquanto o protozoário ainda está circulando no sangue. As medicações que combatem a doença de Chagas – nifurtimox e o benznidazol – devem ser ministradas em hospitais devido aos efeitos colaterais que elas podem causar.
Na fase crônica, que ocorre após a aguda, essas medicações não têm a mesma eficácia, então o tratamento passa a ser direcionado às manifestações da doença, a fim de controlar os sintomas e evitar complicações.
Infelizmente, não existe vacina para a doença de Chagas. Desta forma, o único caminho que temos para romper o ciclo da doença é conscientizar a população. As pessoas precisam conhecer os fatores de risco de infecção, ter acesso a protocolos de manejo clínico atualizados, contar com profissionais de saúde treinados e a disponibilidade, pelo Serviço Público de Saúde, principalmente, de insumos para a oferta de diagnóstico e tratamento. Esta é uma questão de saúde pública que afeta milhares de pessoas e representa um grande impacto socioeconômico para todo o mundo, por isso devemos falar da Doença de Chagas todos os anos, até que ela deixe de nos impactar.
Sandra Gomes de Barros é infectologista e professora do curso de Medicina da Universidade Santo Amaro – Unisa