Microorganismos presentes no órgão influenciam no funcionamento de todo o corpo humano, inclusive no tratamento de câncer
A saúde intestinal não é apenas um tópico de tendência, mas um aspecto importante da saúde como um todo que afeta desde obesidade e saúde mental até as taxas de câncer. A principal razão pela qual o tema está se tornando tão comum é que há cada vez mais entendimento de que o que acontece no trato gastrointestinal está associado a outros resultados de saúde bem maiores que vão além dos mais evidentes como úlceras, inchaço de gases ou câncer de cólon.
“Quando as pessoas falam sobre saúde intestinal, estão falando sobre o microbioma em geral, que são trilhões de bactérias, vírus e fungos que vivem em nossos intestinos e suas interações com vários processos corporais”, diz Isabella Tavares, oncologista e oncogeneticista. Para se ter uma ideia, o microbioma intestinal humano contém cerca de 100 vezes mais genes do que o genoma humano. Esses genes desempenham papéis importantes na regulação do sistema imunológico, no metabolismo de nutrientes e na produção de vitaminas, por exemplo.
Uma quantidade cada vez maior de pesquisas e evidências científicas ajudam a entender melhor esse sistema e seu impacto em nossa saúde. “Com relação ao câncer, há um interesse crescente em como o microbioma tem impacto na progressão da doença, além da capacidade de tornar os pacientes mais receptivos a certas imunoterapias”, afirma.
O intestino cheio de charme
Relançado no Brasil em 2023 após vender mais de 6 milhões de cópias pelo mundo, o livro “O discreto charme do intestino”, da gastroenterologista alemã, Giulia Enders, aborda que o cérebro e o intestino se conectam por meio de uma íntima rede nervosa em uma comunicação que ocorre nos dois sentidos. Segundo a autora, a presença de algumas bactérias no órgão pode diminuir a quantidade de hormônios do estresse no sangue e aumentar a capacidade de sono, aprendizado e memória. Já a bactéria responsável pelas úlceras estomacais, por exemplo, é associada a uma maior probabilidade de desenvolvimento de Parkinson. O crescimento exagerado de bactérias ruins também pode comprometer a absorção de vitaminas, aumentar o risco de alterações metabólicas em indivíduos obesos e causar doenças inflamatórias intestinais.
Segundo Isabella Tavares, uma das maneiras mais importantes pelas quais o microbioma afeta a saúde é por meio de sua influência em nosso sistema imunológico. “O que acontece é que nosso microbioma ajuda a moldar nosso sistema imunológico. Isso é importante porque sabemos hoje que a inflamação é muito relevante para nossa saúde e está ligada a quase todos os distúrbios modernos. Então, quando você tem um microbioma intestinal em desequilíbrio, você tende a ter mais dessa inflamação percorrendo seu corpo”, afirma.
Bactérias intestinais podem ajudar a combater o câncer
Em um estudo publicado na revista científica Science Immunology, em março de 2023, pesquisadores do UT Southwestern Medical Center, em Dallas, Texas, nos EUA, descobriram como bactérias saudáveis do intestino podem migrar para gânglios linfáticos e tumores cancerígenos pelo corpo, tornando assim mais eficientes alguns medicamentos da classe da imunoterapia. O que significa que um microbioma intestinal saudável pode ajudar a combater o câncer em qualquer outra parte do corpo.
Na pesquisa, foram utilizados camundongos com tumores de melanoma para investigar como inibidores do ponto de controle imunológico afetavam o movimento dos micróbios intestinais pelo corpo. O que se descobriu foi que os medicamentos, além de aumentar a atividade do sistema imunológico contra tumores, também causam inflamação no sistema digestivo, levando a uma remodelação dos gânglios linfáticos no intestino. Por essa razão, as bactérias do intestino podem viajar para os gânglios linfáticos próximos ao tumor e ao próprio tumor. Então, os micróbios ativam células imunes que atuam para matar as células tumorais.
“Os resultados podem ajudar a explicar a razão pela qual antibióticos podem enfraquecer os imunoterápicos, já que alguns desses medicamentos podem eliminar grande parte dos micróbios intestinais. Algo prejudicial para os inibidores, já que as bactérias não podem mais desempenhar o papel de acelerador imunológico”, aponta Isabella.
Sobre Isabella Tavares
Médica Oncologista Clínica, Observership in Gastrointestinal Cancer pela Georgetown University, Washington, DC, EUA, Intensive Course in Cancer Genetic Risk Assessment pelo City of Hope, CA, especialização em Predisposição Hereditária ao Câncer pelo Hospital Israelita Albert Einstein. É doutoranda e mestre profissional pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade Paranaense (UNIPAR). Atualmente, trabalha como oncologista clínica no Centro de Excelência em Oncologia em Maringá-PR. É membro do Comitê de Cuidados Paliativos da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). Já publicou vários capítulos de livros, incluindo o Tratado de Predisposição Hereditária ao Câncer. É membro da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) e Sociedade Européia de Oncologia Clínica (ESMO), assim como dos Grupos de Tumores Gastrointestinais (GTG), de Tumores Ginecológicos (EVA) e de Tumores Hereditários (GETH).