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Obesidade infantil: é preciso reeducar os pais

Uma reflexão para o Dia Mundial da Obesidade, 4 de março

Quem já passou dos 40 anos deve se lembrar de uma cena familiar que se tornou rara: a hora das refeições era a oportunidade de reunir todos em volta da mesa. Entre conversas e risadas, adultos e crianças confraternizavam e interagiam, compartilhando a vida. “Também na alimentação, era à mesa que a criança, em frente ao espelho da família, começava a adquirir seus principais hábitos – se a família ingeria alimentos muito calóricos, isso se refletia na rotina das crianças por um bom tempo”, explica a endocrinopediatra Julia Maia Rocha de Carvalho, do Serviço de Pediatria do Hospital Dona Helena, de Joinville (SC).

No sentido contrário, continua a médica, é à mesa em família que se incorporam hábitos saudáveis. Um aprendizado conjunto que, hoje em dia, é prejudicado pela tão falada “falta de tempo” de crianças e, sobretudo, de adultos.

No calendário, 4 de março marca o Dia Mundial da Obesidade. Relatório público do Sistema Nacional de Vigilância Alimentar e Nutricional aponta que, até meados de setembro de 2022, mais de 340 mil crianças de 5 a 10 anos de idade foram diagnosticadas com obesidade.

A endocrinologista infantil ajuda a entender esses números. “É a dinâmica familiar que norteia a dinâmica de vida dos pequenos, desde a primeira infância”, sublinha, ao explicar que é mais comum do que se imagina o hábito de ingerir calorias acima do necessário: seja em função da falta de tempo para preparar a rotina alimentar, seja pela simples repetição de atitudes antigas da família. “Geralmente, a criança tem tendência a ingerir alimentos calóricos”, constata, ao argumentar que, na maioria das vezes, antes de tentar interferir na alimentação das crianças, é preciso educar seus pais.

Júlia alerta para rotinas da família que contribuem para agravar o problema: comer em frente a uma tela, seja de televisão, computador ou celular, atrapalha a saciedade e, sobretudo, rompe com o vínculo com a família. “Ou seja, uma das primeiras mudanças para melhorar a nutrição da criançada é restabelecer o precioso hábito da refeição em família”, acrescenta.

Para Júlia, ter a clareza da responsabilidade da família é fundamental. “Afinal, são os pais que compram os alimentos, aí deve começar a mudança, quando necessária.” Em bom português, cabe aos pais evitar a compra de alimentos excessivamente calóricos, refrigerantes, sucos, guloseimas. Mas não cabe proibir: é pelo exemplo – e não pela força – que se obtêm resultados melhores na educação alimentar.

Assim, os pais devem procurar comprar as frutas e legumes de que as crianças mais gostam, introduzindo novidades da horta no cardápio da família. E, principalmente, não disponibilizar aqueles produtos de fácil consumo como os miojos, bolachas recheadas, sucos de caixinhas, doces. “São alimentos sem valor nutricional, aquilo que chamamos de calorias vazias, como os alimentos industrializados, por exemplo. Devem ser reservados para ocasiões especiais – datas festivas, férias, fim de semana.”

Educando os pais

A endocrinopediatra do Hospital Dona Helena reitera a importância da família nesse processo de combate à obesidade infantil: “Minhas orientações são sempre voltadas aos pais. A responsabilidade é deles. A regularidade da rotina, o exemplo, o hábito de incentivar a atividade física, propor exercícios lúdicos. De integrar a criança às atividades da casa, também, propondo tarefas e responsabilidade. Essas mudanças já interferem, naturalmente, na alimentação saudável. Dedicar ao menos uma hora por dia a uma atividade de mais movimento é um ótimo hábito.”

Associando-se essas pequenas mudanças a outras – como a redução da exposição dos pequenos às telas – é possível obter bons resultados. “Muita televisão, computador ou celular leva ao sedentarismo, que leva à ansiedade, que leva à compulsão”, adverte a médica, lembrando que as crianças que ficam longo tempo nessas telas estão vulneráveis a outros hábitos ruins para sua saúde. “E esses hábitos são todos integrados – sem uma mudança mais ampla, não se alcança o resultado desejado, pondera, ao pontuar: “É preciso mudar o estilo de vida, mesmo”.

Claro que isso não é nada fácil. A chamada “vida moderna” cada vez mais se traduz na ausência dos pais e na prematura “independência” dos filhos. Por isso, é tão importante associar o conceito de qualidade ao tempo de convivência em família. “É fundamental que as famílias se organizem para esse tempo, estando presentes em atividades como ir a um parque, jogar bola com os pequenos, fazer uma caminhada…”, sublinha Júlia.

Mas essa é uma primeira atitude, continua a médica. “A segunda questão é vínculo com a natureza, essencial. Muitas crianças vão da escola para casa, e, em casa, é só na tela. Pelo menos uma vez por semana se deveria levar a criança a ter algum contato com a natureza. E, também, se possível, propiciar que tenha um animal de estimação. Isso ajuda a dar um senso de responsabilidade e gera atividades como passeios”, enumera a médica, antes de concluir: “É preciso levar a criança e a família para fora de casa”.

Júlia Maia reitera que esses ajustes envolvem uma questão estrutural que demanda maior consciência da importância de mudar. “Mas é possível modificar, sim, se formos ampliando conhecimentos sobre a importância de uma vida familiar mais saudável. Não é apenas a questão da alimentação”, conclui.