Criada em 2014, a campanha Janeiro Branco é um movimento social que almeja o desenvolvimento de uma cultura voltada para o cuidado com os aspectos relacionados à saúde mental da população. O movimento é liderado pelo instituto de mesmo nome, que coordena o movimento e realiza ações de conscientização acerca do tema.
O momento também é propício para discutir um dos principais problemas de saúde nos últimos meses em todo o mundo, mas principalmente no Brasil: o número crescente de doenças relacionadas à saúde mental.
Segundo matéria publicada na rede CNN Brasil, 1 a cada 10 brasileiros relatou ter recebido um diagnóstico de depressão em 2021. Ao todo, foram 11,3% da população brasileira, sendo a frequência maior entre as mulheres (14,7%) em comparação com os homens (7,3%).
A tendência é que esses números subam ainda mais. De acordo com um relatório da Organização Mundial de Saúde publicado em 2017, o número de pessoas diagnosticadas com depressão aumentou quase 20% entre 2005 e 2015. Nesse mesmo intervalo, a prevalência de ansiedade na população mundial aumentou quase 15%.
A pesquisa The Global Economic Burden of Noncommunicable Diseases, publicada no portal científico PGDA Working Papers por uma equipe liderada pelo pesquisador David Bloom, da Universidade de Harvard, indica que previsões mostram um custo econômico de doenças mentais de mais de 15 trilhões de dólares.
Aliado a esse cenário, outro fator significativo agravante é a pandemia de covid-19 e seus desdobramentos. De acordo com matéria publicada no Jornal da USP, buscas no Google por informações acerca de doenças mentais tiveram uma alta de 98% nos últimos 10 anos.
Em artigo publicado na revista Ânima Educação, de autoria de Tatiane Chagas, é indicado que o sofrimento psíquico durante a pandemia se deu principalmente pelos seguintes fatores: isolamento, falta de alimentos, incertezas com relação ao futuro, risco de morte, afastamento familiar, mudanças de rotina e preocupações financeiras e relacionadas com a manutenção do emprego.
Um outro fator que desencadeia doenças mentais, tais como ansiedade, depressão, pânico e seus correlatos, é a intensidade de discussões políticas polarizadas.
Em pesquisa publicada na Revista Multidisciplinar e de Psicologia, pelos autores Jucier Gonçalves Júnior, Liromaria Maria de Amorim, Athena de Albuquerque Farias e Modesto Leite Rolim-Neto, intitulada “O estímulo à violência e seus impactos na saúde mental da população”, os autores afirmam que há exacerbação de quadros doenças mentais durante eleições significativamente competitivas e agressivas.
Além disso, os autores relatam também haver aumento da sensação de medo, insegurança e tristeza, que impactam negativamente a saúde mental da população. Por fim, o sufocamento de relações sociais devido ao processo de polarização também impede a socialização com pessoas de convívio comum e limita a rede de apoio dos indivíduos.
Diante desse cenário, Flávia Lippi, jornalista, educadora e pesquisadora, especialista em neurociência e comportamento, afirma que é necessário a prática de observar a si mesmo e perceber mudanças importantes no dia a dia que podem indicar problemas mais graves.
Práticas de cuidado para a saúde mental sob a perspectiva da neurociência e práticas contemplativas
“Muitas pessoas não sabem diferenciar a depressão de um estado de tristeza, que é natural e passageiro. Tem alguns aspectos neurobiológicos e químicos que caracterizam a depressão como uma síndrome, diferente do dia em que a pessoa pode ter ficado chateada por alguma coisa”, explica Flávia Lippi.
Para a especialista, a principal diferença se dá no fato de que a depressão, como outras doenças mentais, é um problema médico e impacta diretamente o equilíbrio de substâncias no organismo.
Segundo a pesquisa intitulada Monoamine Neurotransmitters Control Basic Emotions and Affect Major Depressive Disorders, publicada no periódico Pharmaceuticals em 2022 por uma equipe de pesquisadores liderado por Yao Jiang, médicos observaram uma diminuição de alguns neurotransmissores importantes nos quadros de depressão clínica – principalmente serotonina, norepinefrina e dopamina. Respectivamente, essas substâncias influenciam as sensações de prazer, emoções e atenção.
“Ficar irritado sem motivo, perder interesse em coisas que você gostava, mudanças no seu apetite – como comer em excesso ou perder o apetite – dormir demais ou ter poucas horas de sono, tudo isso pode ser um alerta do corpo e da mente de que algo não vai bem”, alerta Flávia Lippi.
Além disso, a especialista aponta que ter dificuldades em focar em uma tarefa específica ou distração em excesso nas tarefas do dia a dia também podem ser um sinal de alerta. Segundo Lippi, um dos principais desafios no enfrentamento de doenças mentais ainda é o estigma associado ao tratamento terapêutico.
“Nos casos em que a doença está impactando a vida da pessoa em sofrimento, não é apenas um processo de coaching, um bate-papo, uma terapia complementar que pode resolver. A minha indicação é sempre médico psiquiatra associado ao psicólogo e claro, uma prática complementar que prefira, como meditação”, argumenta.
Porém, a pesquisadora aponta também alguns hábitos e práticas que podem ajudar a observar esses sinais.
Uma pesquisa intitulada Mobile Mindfulness Meditation: a Randomised Controlled Trial of the Effect of Two Popular Apps on Mental Health, publicada no periódico Mindfulness, por pesquisadores da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, demonstra que o uso de aplicativos voltados para autoconhecimento e práticas de meditação tiveram uma melhora no autorrelato de sintomas depressivos, ajustes a rotinas intensas, resiliência e presença no momento.
“Alguns aplicativos voltados para exercícios e observações podem ser usados para manter esse contato com o aspecto mental da saúde das pessoas. Com o tempo, a prática se torna automática e pode ajudar quem tem dificuldade de perceber ou conhecer os próprios estados mentais, o que protege a saúde mental”, finaliza Flávia Lippi.