Quem cuida de quem cuida? Esse é o principal questionamento do projeto ‘Acolher e Transformar’, da Associação Crônicos do Dia a Dia. No último dia 22, especialistas se reuniram no auditório da Biblioteca de São Paulo, na Zona Norte da capital paulista, para debater diversas questões sobre o assunto.
Segundo a pesquisa Cuidadores do Brasil – realizada pela Veja Saúde e Instituto Lado a Lado pela Vida (LAL), com o apoio da farmacêutica Novartis, 8% dos familiares que desempenham o papel de cuidadores, não têm curso de cuidador e não são da área da saúde. A pesquisa também revela que 40% dos participantes, tanto entre cuidadores familiares como entre profissionais, acreditam que a ocupação é totalmente desvalorizada no Brasil. Entre os cuidadores familiares, cerca de 70% não conhecem associações voltadas a pacientes e cuidadores.
Com a mediação de Bruna Rocha, vice-presidente da CDD, que tem a experiência de cuidar e ser cuidada dentro da própria família, o encontro trouxe, logo no início, um Exercício de Biblioterapia, ensinado por Édina Galegaro, que nada mais é do que a utilização da literatura, com poemas, poesias, crônicas e histórias.
O jornalista Fernando Aguzzoli, coordenador do Núcleo de Envelhecimento Bem-Sucedido e Demências da CDD, compartilhou a experiência dele como cuidador da avó, que conviveu anos com Alzheimer. Graças a essa vivência, ele escreveu os livros ‘Quem, eu?’ e ‘Alzheimer não é o Fim’. No evento, ele contou como se transformou de neto a cuidador da avó: “Quando ela esqueceu de mim pela primeira vez, eu parei de negar o diagnóstico e comecei a entender o que estava acontecendo. A reserva de afeto não nos torna cuidadores perfeitos. O cotidiano do Alzheimer é feito de erros e acertos. Mas tentar outra vez é importante. Você pode transformar esse erro em acerto”.
Aguzzoli mandou um recado aos familiares: “Que vocês possam se tornar cuidadores 10%, 20%, 30% melhor à medida que o tempo passa. Também tive minhas dores e sofrimentos como cuidador. Mas nosso trabalho é mitigar os danos dessas etapas da doença. A assistência pós-diagnóstico é fundamental”, concluiu.
Mariana Rosa, fundadora do Instituto Cáue – Redes de Inclusão, falou sobre a importância do cuidado anticapacitista. A jornalista, além de ter baixa visão, tem uma filha com paralisia cerebral. A trajetória para conseguir tratamentos multidisciplinares para a pequena fez com que ela percebesse que o acesso à saúde e a qualidade de vida não é para todos.
“Logo que o diagnóstico veio, vieram várias recomendações médicas e que a estimulação dela deveria aproveitar a plasticidade cerebral. No primeiro ano de vida, não tenho foto da minha filha no parquinho, só nas terapias. Depois de um tempo, comecei a entender que tinha algo estranho sobre isso. Aos poucos fui entendendo que a deficiência não é uma trajetória individual”, afirmou.
Mariana ressaltou que, para que a pessoa com deficiência tenha autonomia, é preciso ter acesso ao cuidado: “A autonomia é ter gerência sobre sua própria vida. Se a gente desfizer o mito da independência, isso vai nos afastar da dualidade ‘quem cuida e quem é cuidado’. Também é preciso pensar a ética do cuidado através da maneira como a gente se organiza socialmente”.
A médica Ana Claudia Quintana, autora do livro ‘A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver’, falou sobre a importância dos cuidados paliativos, mas a atenção que precisa ser dada aos familiares. Mas a especialista em Geriatria e Gerontologia foi além: “Quero falar com quem também não tem ‘obrigação’ de cuidar de alguém. Você precisa saber reconhecer quando quem cuida precisa ser cuidado. Só na base do cuidado vamos conseguir ter uma sociedade justa e com equidade”, refletiu.
O ‘Acolher e Transformar’ foi encerrado com a Meditação da Colheita, promovida por Paulo Tonhassolo, que há anos participa de grupos de acolhimento. Ele propôs aos convidados que fechassem os olhos e refletissem sobre cada fala e depoimento compartilhados pelos presentes. O objetivo também foi fazer com que todos pudessem consolidar seus conhecimentos e compartilhassem com as pessoas com as quais convivem.
Sobre a CDD
A associação Crônicos do Dia a Dia (CDD) é uma organização sem fins lucrativos e acredita que o diálogo é a ponte para que ninguém precise conviver com uma doença crônica sozinho. O objetivo do trabalho da CDD é apoiar todo o potencial humano para ampliar as perspectivas de vida das pessoas com condição crônica de doença, através de projetos e conteúdos, para que as pessoas não sejam definidas nem reduzidas a seus diagnósticos.
Desenvolve desde 2020 o projeto Acolher e Transformar para a conscientização sobre o autocuidado e apoio à pessoa cuidadora, que em 2022, conta com o investimento social das farmacêuticas Roche e Merck. É possível assistir à íntegra do evento ‘Acolher e Transformar’ no canal do YouTube da CDD.