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Rede social e games não são playgrounds

Na semana do Dia das Crianças, o Pequeno Príncipe alerta para os riscos do uso abusivo pelo público infantojuvenil

Crédito: Camila Hampf

Na semana do Dia das Crianças, o Pequeno Príncipe, maior hospital exclusivamente pediátrico do país, faz um alerta sobre o uso de redes sociais por crianças e adolescentes. A edição mais recente da pesquisa Tic Kids Online Brasil, que mapeia o uso da internet na infância e na adolescência, mostrou que, em 2021, 78% dos usuários de internet com idades de 9 a 17 anos acessaram esse tipo de plataforma, um aumento de dez pontos percentuais em relação a 2019 (68%).

Com conteúdos específicos desenvolvidos para atingir públicos de todas as idades, as redes sociais têm atraído crianças cada vez mais novas. De acordo com a coordenadora do Serviço de Psicologia do Pequeno Príncipe, Angelita Wisnieski, o uso excessivo de rede sociais pode afetar gravemente as capacidades mentais e emocionais de crianças, que estão em plena fase de desenvolvimento.

“Talvez o principal prejuízo seja o distanciamento das relações reais, a desconexão com o entorno, com o ambiente real e externo que as redes sociais são capazes de provocar”, explica.

Crianças e adolescentes também estariam sujeitos a riscos que envolvem problemas de saúde mental como ansiedade, depressão, déficit de atenção e hiperatividade, além de transtorno do sono, sexualização precoce, automutilação, maior agressividade, obesidade e problemas auditivos, visuais e posturais.

O médico neurologista Anderson Nitsche, do Pequeno Príncipe, realça o que a produção de dopamina – neurotransmissor cerebral que organiza o funcionamento da região frontal e pré-frontal do cérebro – durante o consumo dos conteúdos de redes sociais pode causar.

“O uso excessivo de telas, especialmente videogames e redes sociais, provoca uma liberação da dopamina em picos, gerando uma grande sensação de prazer, seguida de uma escassez, que faz com que a pessoa se sinta irritada e tenha pouco controle das emoções. Nas crianças, isso se reflete no surgimento de birras, inadequação social, mau humor, falta de atenção e impulsividade”, aponta.

O especialista conta que, desde a década de 1940, quando iniciaram os primeiros testes de coeficiente intelectual, a humanidade coletivamente tem demonstrado um acréscimo de inteligência geração após geração. Isso é reconhecido como fenômeno Flynn, mas que, pela primeira vez na história da neurociência, vários estudos, em diversas regiões do mundo, mostram que a atual geração de crianças e adolescentes é menos inteligente que seus pais. Uma explicação para isso é o uso excessivo de mídias digitais.

Para ele, além dos problemas comportamentais e dos relacionados à inteligência, uso de telas influencia também nas habilidades sociais. Jogar com os amigos on-line possui regras e comunicações sociais muito mais pobres do que interação física.

“Demonstrar carinho, empatia e respeito pelos outros passa por uma comunicação complexa, que envolve olhar nos olhos, postura corporal, facial e toque, que são impossíveis pelo meio digital. Em suma, passar muito tempo nas telas, além de poder provocar conexões neuronais problemáticas, priva as crianças da estimulação de diversas outras habilidades necessárias para o desenvolvimento adequado”, considera.

O jogo on-line, conectado com outros jogadores e não conectados, também registrou um aumento no público infantojuvenil, e nos dois casos houve um acréscimo de 9% nos dados de 2021, comparados com os de 2019, na pesquisa Tic Kids. Segundo a psicóloga do Pequeno Príncipe, os impactos psicológicos dos games são fortemente vinculados à saturação do sistema perceptivo e consequente fadiga mental, dores de cabeça, alterações na visão, prejuízos no sono, chegando a problemas neurológicos preocupantes.

“Estas consequências podem levar a dificuldade de concentração e baixo rendimento escolar, resultando na redução da autoestima. Os jogos também tendem a disparar a compulsividade e a agressividade, que acabam sendo manifestadas nas relações reais”, completa.

Ela esclarece que tanto a dependência dos jogos quanto o uso abusivo das redes sociais são entendidos atualmente como problemas de saúde, podendo ser considerados vícios ou intoxicações. Por isso é importante que pais e responsáveis estejam atentos a sinais de alerta sobre o excesso no consumo desses conteúdos – alterações psíquicas e fisiológicas como insônia, pesadelos frequentes, irritabilidade, mudanças no humor, compulsividade e isolamento.

“Crianças e adolescentes entristecidos e/ou com dificuldades importantes de socialização e que se ‘escodem’ nos jogos merecem atenção, pois podem estar passando por período de sofrimento maior que demanda cuidados especializados”, pontua.

Responsabilidade

A idade mínima indicada pelas plataformas para ter acesso a elas ou mesmo habilitar uma conta é 13 anos, mas não existe um mecanismo de identificação ou de bloqueio da inscrição de alguém com menos idade. No Brasil, do ponto de vista legal, o Marco Civil da Internet estabelece os pais como responsáveis pelo controle do uso racional e proteção contra os conteúdos negativo da rede.

Por isso, os especialistas indicam algumas sugestões. Nitsche considera que a classificação indicativa do Ministério da Justiça pode ajudar como norteador de conteúdo. Já Angelita acrescenta que os pais também devem estar atentos e considerar a capacidade de discernimento da criança sobre o uso de uma rede social.

“Entender quais são suas necessidades, propósitos e as respostas das crianças ao que acessam: se são conteúdos construtivos e educativos ou se instigam maus hábitos e prejudicam seu desenvolvimento”, diz.

Para ela, é importante que os responsáveis vigiem e limitem os conteúdos acessados, porque, para a criança, a diversidade de informações que as redes sociais oferecem pode ser um gerador de ansiedade. Os adultos também devem ajudar a criança e o adolescente a entender as diferenças entre a vida idealizada das redes sociais e a realidade, muito mais intensa em conflitos e dificuldades.

“É fundamental lembrar que as crianças e adolescentes estão em desenvolvimento de sua capacidade de autorregulação, ou seja, de autocontrole e, por isso, precisam de ajuda externa que os limite para que não ‘se percam’ no universo virtual”, ressalta.

Mostrar que para além das telas há diversas outras atividades possíveis, como uma caminhada na natureza, andar de bicicleta, pintar, brincar na areia, construir um mundo de fantasias com bonecos e objetos simples. Isso também é um papel de pais e responsáveis, acredita o neurologista pediátrico do Pequeno Príncipe.

“E os pais devem dar exemplo. Não adianta limitar o uso de tela de seu filho enquanto fica no aplicativo. Limitar-se também vai melhorar a saúde própria e as conexões e relações familiares”, finaliza.

O que a Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda:

– até 2 anos: não exposição das crianças aos dispositivos eletrônicos;
– entre 2 e 5 anos: limitar o tempo de uso ao máximo de uma hora por dia e sempre com supervisão e interação de um adulto;
– entre 6 e 10 anos: limitar o tempo de uso ao máximo de duas horas por dia e sempre com supervisão de um adulto;
– entre 11 e 18 anos: limitar o tempo de uso ao máximo de três horas por dia com supervisão de um adulto.

Sobre o Pequeno Príncipe

Com sede em Curitiba (PR), o Pequeno Príncipe, maior hospital exclusivamente pediátrico do Brasil, é uma instituição filantrópica, sem fins lucrativos, que oferece assistência hospitalar há mais de 100 anos para crianças e adolescentes de todo o país. Disponibiliza desde consultas até tratamentos complexos, como transplantes de rim, fígado, coração, ossos e medula óssea. Atende em 35 especialidades, com equipes multiprofissionais e realiza 60% dos atendimentos via Sistema Único de Saúde (SUS). Conta com 378 leitos, 68 de UTI e em 2021, mesmo com as restrições impostas pela pandemia de coronavírus, foram realizados cerca de 200 mil atendimentos e 14,7 mil cirurgias que beneficiaram pacientes do Brasil inteiro.