Mais do que iniciar a fase adulta, a menarca inicia mudanças cognitivas e comportamentais. Entenda como isso acontece ao longo da vida da mulher.
A iniciação da mulher na vida adulta, através da menstruação, marca também eventos importantes ligados à área cognitiva
Este processo natural para o desenvolvimento humano envolve transições cíclicas do sistema de órgãos reprodutivos e de estímulos hormonais vindos do sistema nervoso central (hipotálamo e hipófise). Todos os órgãos envolvidos na menstruação trabalham de forma harmoniosa para que o ciclo reprodutivo ocorra normalmente, mas, até que tudo isso esteja pronto, o corpo em desenvolvimento precisa se preparar.
O que acontece antes da menstruação?
A neurocientista do SUPERA – Ginástica para o cérebro, Livia Ciacci, explica que este processo começa ainda bem antes da primeira menstruação.
Por volta dos 8 anos de idade, o hipotálamo aciona o gatilho para a puberdade iniciando assim a produção do hormônio GnRH (Gonadotrofina), que então envia ordens para a hipófise produzir outros dois hormônios – o LH (luteinizante) e o FSH (folículo estimulante), que, por sua vez, desencadeiam o aumento da secreção dos hormônios sexuais (progesterona e estrogênios) que vão provocar as alterações físicas nos corpos que receberão a primeira menstruação.
Esses mesmos hormônios que iniciarão o surgimento das mamas e das curvas do corpo vão causar as alterações de humor típicas dessa fase.
“Durante a infância, os níveis de estrogênio e progesterona são baixos, e quando aumentam dramaticamente na puberdade começam a ativar uma série de circuitos neuronais que ainda não eram estimulados por eles, gerando todo um período de mudanças e adaptações”, detalhou.
A menarca, ou primeira menstruação, é, na verdade, um dos últimos eventos, ocorrendo em média 2 anos após o começo da atuação de todos esses hormônios.
O que acontece no cérebro enquanto isso?
Também é na puberdade que o córtex pré-frontal, conhecido como o sistema de tomada de decisões, começa a amadurecer para formar um cérebro adulto. A adolescente pode ter comportamentos impulsivos exatamente porque essa área do cérebro ainda está em desenvolvimento. Várias áreas estratégicas do cérebro para a cognição possuem receptores tanto para estrogênio quanto para progesterona, então elas são moduladas por esses hormônios. O estrogênio regula o sistema neural da serotonina em múltiplos níveis, interferindo nos circuitos neurais do humor e do bem-estar – por isso inclusive que, dependendo da fase do ciclo, mulheres mudam a preferência para alimentos doces, em uma tentativa de equilibrar a diminuição de estrogênio circulante.
Além disso, os níveis de estrogênios afetam o estado mental, memória, emoções e comportamento porque tem a capacidade de aumentar o número de receptores de dopamina nas células, dentre outros mecanismos. Por essas e outras razões que a queda ou alterações de estrogênios e/ou de progesterona podem predispor mulheres à depressão mais do que os homens, segundo a especialista.
Como fazer as pazes com os hormônios?
A neurocientista do SUPERA – Ginástica para o cérebro, Livia Ciacci explica que estes hormônios não expressam “impactos” enquanto estão funcionando normalmente. Os impactos normalmente são percebidos apenas se houver algum problema ou desequilíbrio no corpo e na mente, como ocorre no envelhecimento e menopausa, por exemplo.
“Sabemos que existe a relação entre a falência ovariana na menopausa, que causa a queda dos níveis de estrógeno, e o declínio cognitivo. Isso é um fenômeno fisiológico e natural do envelhecimento. Mulheres que sofrem mais de sintomas pré-menstruais também perceberão alterações cognitivas e comportamentais ligadas às oscilações hormonais dessa fase do ciclo, e para amenizar é necessário um acompanhamento médico próximo, autoconhecimento e a adoção de um estilo de vida mais saudável”, alertou.
O estilo de vida e os comportamentos cognitivos
Independentemente da faixa etária, as mudanças impostas pela menstruação ou menarca chamam a atenção para a importância de um estilo de vida mais saudável. “Sabemos que o comportamento e estímulos cognitivos influenciam na química cerebral, e tem potencial para serem fortes aliados na manutenção da qualidade de vida e desempenho profissional. Os maiores ganhos do treino cognitivo envolvem o desenvolvimento de uma reserva cognitiva capaz de compensar possíveis danos, além da criação consciente de estratégias mentais para manter a flexibilidade mental necessária para se adaptar a novos cenários”, alertou.
Estrogênio e progesterona: como eles atuam no funcionamento do cérebro?
A produção de estrogênio e progesterona ocorre primariamente nos ovários, mas eles também têm funções importantes de sinalização neuronal em várias regiões do cérebro. É o estrogênio produzido pelos folículos ovarianos que estimula a libido e humor ao se ligar a neurônios que liberam neurotransmissores como serotonina e dopamina. O primeiro é associado a sentimentos de bem-estar e felicidade e o último à motivação.
Os estrógenos têm ação neuro protetora, uma vez que regula o transporte de glicose, a função mitocondrial para a geração de ATP (molécula de energia), melhora a circulação sanguínea cerebral e previne a atrofia de neurônios. A queda dos níveis de estrogênios é associada a neuro inflamação, redução das conexões sinápticas, problemas cognitivos e ao aumento de doenças relacionadas ao envelhecimento.
Já a progesterona é um hormônio produzido em uma glândula temporária nos ovários logo após a ovulação. Será essencial para a gestação (caso ocorra) assim como para diversas outras funções, por exemplo, na saúde óssea, metabolismo e humor. Ela também exerce diversas funções fisiológicas no sistema nervoso, como a diferenciação e regulação do desenvolvimento de vários tipos de células no cérebro e cerebelo, a sinaptogênese e plasticidade neuronal, entre outros. Considerando o desenvolvimento de células, a progesterona promove a mielinização (formação da bainha de mielina), a sinaptogênese (formação de novas conexões), sobrevivência neuronal e crescimento dos dendritos dos neurônios. A progesterona também “acalma” o sistema nervoso, porque passa por um processo em que é convertida a um neuro esteroide (denominado alopregnanolona) que atua imitando o neurotransmissor GABA no cérebro – que é do tipo inibitório – facilitando o sono e o relaxamento.
“Mas além do envelhecimento, alguns aspectos do estilo de vida podem reduzir os níveis de estrógenos, como: tabagismo, alimentação insuficiente, alto consumo de soja e outros fito estrógenos (compostos de estrutura similar ao estrógeno presentes em alguns vegetais) na dieta. Atividades intelectuais variadas e com grau de desafio crescente ainda aumentam a capacidade da mulher entender o próprio processo de aprendizagem, uma grande vantagem para facilitar colocar em prática as mudanças de hábitos necessários para um estilo de vida mais saudável”, concluiu Livia Ciacci, neurocientista do SUPERA – Ginástica para o cérebro.