Realidade no Brasil, Europa e EUA, o adiamento da maternidade não é isento de riscos. Médica ginecologista da clínica Origen BH fala sobre o envelhecimento ovariano e o desafio de equilibrá-lo com as aspirações femininas e as transformações sociais da atualidade
A importância de se preparar adequadamente para uma gravidez é vital para mulheres em todas as idades, mas reveste-se de importância maior naquelas que planejam engravidar numa idade mais “avançada”. O chamado cuidado pré-concepcional é definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “o fornecimento de intervenções biomédicas, comportamentais e sociais de saúde para mulheres e casais antes que ocorra a concepção”. A meta é melhorar a saúde dos futuros pais, não só da mãe, modificando comportamentos e fatores ambientais que podem afetar a saúde materna e infantil. Estudos revelam a importância do ambiente intrauterino saudável na modulação de doenças no futuro indivíduo.
De acordo com a médica ginecologista da clínica Origen BH, Márcia Mendonça Carneiro, professora associada do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), embora não exista uma definição clara de idade materna avançada, é sabido que a idade da mulher é ponto crucial na determinação da qualidade e saúde de óvulos e embriões e há uma queda significativa após os 35-37 anos.
“Dessa forma, define-se idade materna avançada este período a partir do qual ocorre o declínio das chances de gravidez. Muitas mulheres consideram um erro crasso de engenharia ovariana esta redução da fertilidade num período no qual se sentem preparadas do ponto de vista físico, emocional e financeiro para iniciar a jornada rumo à maternidade. Mas, infelizmente, não há, até o momento, um método eficaz que seja capaz de reverter o envelhecimento ovariano para equilibrá-lo com as aspirações femininas e as transformações sociais”, diz a médica, que coordena a equipe multidisciplinar de Endometriose Hospital das Clínicas (HC/UFMG) e integra a diretoria da Sociedade Brasileira de Endometriose.
Ainda assim, as estatísticas mostram que as mulheres têm cada vez mais escolhido adiar a maternidade para após os 40 anos. “Entre 2013 e 2018, houve aumento de 36% no número de partos em mulheres entre 40 e 44 anos. Dados semelhantes também são encontrados nos Estados Unidos onde o número de mulheres que têm seu primeiro parto acima de 40 anos de idade vem aumentado desde a década de 1990”, pontua a médica. Ainda segundo ela, pesquisas revelam que na Europa 72% das mulheres com idade média de 32 anos não planejam engravidar nos próximos três a cinco anos, e no Brasil, o número pode chegar a 40%.
“A decisão de adiar a gravidez para após os 40 anos não é isenta de riscos, sendo o principal deles a infertilidade relacionada à tão falada perda da qualidade os óvulos, que não é corrigida pela realização de tratamentos de alta tecnologia como a fertilização in vitro (FIV)”, acrescenta a especialista em reprodução humana.
De acordo com Márcia Carneiro, a idade não afeta apenas a reserva ovariana, mas também a qualidade do óvulo, o que também aumenta o risco de abortamento que pode chegar a 51% na faixa etária entre 40 e 44 anos de idade e 93% após os 44 anos.
Uma questão pouco abordada e que, segundo a médica vem ganhando destaque na atualidade, é a idade paterna. Até então, perante a medicina, os homens poderiam gerar filhos saudáveis até depois dos 60 anos, pois, aparentemente, os ‘estoques’ de espermatozoides não teriam prazo de validade como a reserva ovariana feminina. “Estudos publicados recentemente têm contestado essa ideia, revelando uma possível associação com infertilidade, taxas de abortamento e até com piores resultados na fertilização in vitro (FIV). Homens acima de 40 anos também têm risco aumentado de doenças que podem impactar a saúde do futuro bebê. Dessa forma, como o embrião representa 50% do pai, o cuidado pré-concepcional também se estende aos homens, que devem receber orientações sobre dieta, atividade física, controle do peso, tratamento de doenças subjacentes e suspensão de tabagismo entre outras”, pontua. O uso de medicamentos e suplementos para aumentar performance física e massa muscular de pessoas do sexo masculino também devem ser cuidadosamente avaliados.
Apesar dos avanços na medicina, a idade materna ainda é o fator de maior relevância associado ao aumento da infertilidade e dos riscos de complicações obstétricas. Dessa forma, se preparar adequadamente para a gestação é vital, sugere a médica. “Procurar seu ginecologista para fazer uma avaliação de possíveis fatores de risco relacionados à infertilidade, como irregularidade menstrual, história de cirurgias ovarianas e endometriose, assim como fazer exames para avaliar a reserva ovariana, são medidas essenciais para o planejamento de uma gestação saudável”, orienta.
Para as mulheres que sonham com a gravidez, mas querem desenvolver-se na vida profissional e pessoal antes de se dedicarem à maternidade, a médica alerta que não perder tempo é crucial, uma vez que o avançar da idade pode estar associado a doenças como a hipertensão e o diabetes, que aumentam o risco gestacional e que precisam ser devidamente controladas antes da gravidez.
“A obesidade, que aumentou 67% nos últimos 15 anos no país, pode estar relacionada à infertilidade e resultados obstétricos adversos, como abortamento e complicações materno-fetais, que podem se estender ao pós-parto. Além disso, não fumar, conferir o cartão de vacinação, praticar atividade física regular e reduzir o consumo de alimentos ultra processados são medidas recomendáveis. Como não há um protocolo único estabelecido, a avaliação deve ser individualizada na tentativa de otimizar a fertilidade, assim como a saúde materna e fetal”, complementa.