Na sociedade do politicamente correto, o “me aceito como sou” entrou na moda. Qualquer coisa que vá contra isso é motivo para “cancelamento na internet”.
Mas precisamos falar sobre o assunto sem melindres, deixando a estética de lado: a obesidade já é uma epidemia global e deve ser tratada como doença.
O excesso de gordura mantém o corpo em estado de constante inflamação, o que acarreta vários riscos graves à saúde, e por mais que um obeso tenha os exames de sangue dentro da normalidade, isso não significa que ele está saudável.
Obesidade é o oposto de saúde e todo mundo precisa falar mais disso. Assim como buscamos incansavelmente a cura do câncer, precisamos destinar a mesma atenção na procura da cura para a obesidade.
A boa notícia é que uma nova descoberta da ciência promete mudar completamente as formas de tratamento dessa epidemia global.
A bola de neve do emagrecimento
Se você já fez qualquer tipo de dieta com restrição calórica sabe da enorme dificuldade em estabelecer uma rotina e de seguir essa rotina.
Pergunte a si mesmo, quantas vezes você já falou “depois do Natal eu volto pra dieta”, “depois do Carnaval vou pegar firme na dieta”, “segunda feira eu começo de novo”…
Acredite, não é só com você. E isso não quer dizer que você é preguiçoso ou relaxado. Isso tem a ver com a química do seu corpo.
Mais de 80% do reganho de peso após um plano de dieta está relacionado diretamente com o fato do organismo se adaptar para impedir que a perda de peso continue, ou seja, seu corpo “luta contra você”. Para ele é mais confortável a estabilidade e a tranquilidade do excesso de energia que será transformada em gordura.
Perder peso não é um fenômeno “natural” e por isso vários sistemas integrados do nosso corpo tentam dificultar cada vez mais o emagrecimento, forçando você a entrar nesse loop de começar a dieta, parar, voltar a dieta, parar…
Parte da culpa é dos nossos ancestrais
O corpo humano não foi projetado para ficar parado, ele precisa de gordura para sobreviver e foi criado para um ambiente de dificuldades alimentares.
Nossos ancestrais precisavam lutar pelos alimentos, caçar, correr, pular…, era preciso de muita movimentação ativa durante o dia, o que vai totalmente ao contrário do nosso estilo de vida nos dias de hoje.
Passamos a maior parte do nosso tempo sentados no escritório ou em casa, não precisamos de esforço para conseguir alimentos, bastam dois cliques no smartphone e bombas calóricas hiperpalatáveis chegam na porta das nossas casas.
Aquela gordura necessária para nossa sobrevivência acaba sendo ingerida em excesso e pouco consumida através da escassez de movimento. Junte isso tudo e pronto: a fórmula perfeita que vai levar você ao sobrepeso e a obesidade.
É mais complexo do que parece
Você deve ouvir repetidamente do seu médico, nutricionista, personal ou das “blogueirinhas fit” que basta queimar mais energia do que a quantidade que você consome e tudo estará resolvido, você vai emagrecer.
Parece simples, não é mesmo?
Mas não é. Dentre os mecanismos encontrados pelo nosso corpo para impedir a progressão da perda de peso, um dos principais é a diminuição da taxa metabólica, que é a quantidade de energia necessária para a manutenção das funções vitais do organismo.
Nosso metabolismo tende a diminuir a quantidade de calorias utilizadas durante o dia, por diversos meios, como a redução dos hormônios estimulantes da tireóide, das gonadotropinas e do próprio sistema nervoso simpático.
Traduzindo para o bom português: SIM, nosso corpo vai dificultar cada vez mais o emagrecimento e um dos melhores medicamentos para você combater isso são os exercícios físicos para ganho de massa muscular.
O músculo queima muita energia, e mesmo nosso corpo dificultando ao máximo a perda de gordura, quanto mais músculo você ganhar, mais fácil o processo de emagrecimento vai acontecer.
Nenhuma novidade até aqui, certo?
Mas é agora que entra em cena um estudo do International Journal of Obesityque vai mudar a forma como tratamos a obesidade.
Entenda a lógica
É comum durante o processo de perda de peso que nós, em um primeiro momento, tenhamos mais fome, menos saciedade e mais vontade de comer alimentos hipercalóricos. Conforme vamos emagrecendo e perdendo gordura acontece a modificação de um dos principais hormônios relacionados à obesidade: a Leptina.
A Leptina é uma molécula derivada das células de gordura, os adipócitos, e está diretamente relacionada ao nível de gordura no organismo. Quanto mais gordura, mais Leptina. Quanto mais Leptina, maior a resistência do nosso corpo a esse hormônio que está diretamente relacionado com a saciedade. Ela suprime a fome por aumentar a produção de hormônios anorexígenos e diminuir a produção de hormônios orexígenos como o Neuropeptídeo Y.
É aí que vem o cerne dos novos estudos: nos obesos ocorre um aumento da liberação de Leptina, mas ela simplesmente não funciona, porque a própria célula de gordura libera interleucinas que dificultam a sensibilidade desse hormônio no organismo do paciente obeso. Ou seja, como falamos acima, emagrecer não é uma simples continha de mais e menos.
Felizmente hoje a ciência tem olhado com mais atenção a essas novas evidências e tem realizado estudos para utilização da Leptina como medicamento para potencializar os resultados daqueles que conseguem perder peso e para manutenção no longo prazo.
Ainda não existe nenhum medicamento liberado para uso, mas com os últimos avanços da medicina, nós podemos esperar nos próximos anos excelentes ferramentas (medicamentos) para combater a epidemia global de obesidade, sem, simplesmente culpar o paciente por preguiça ou relaxo.
Bons ventos estão por vir. Vamos aguardar.
Dr. Paulo Lara é Médico Nutrólogo (RQE 29833) especialista em Nutrologia pela ABRAN e membro da ABESO (Associação Brasileira de Estudo da Síndrome Metabólica e Obesidade).
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Fonte: International Journal of Obesity 2021