Nas últimas semanas, uma polêmica sobre o risco de mutações e alterações genéticas, decorrentes do uso prolongado de medicamentos que trazem em seu composto a losartana potássica e outros fármacos pertencentes à classe das “sartanas”, ganhou destaque nos noticiários. O risco envolveria, inclusive, o desenvolvimento de tumores cancerígenos. Preocupadas com possíveis interrupções em tratamentos absolutamente necessários, a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), a Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH) e a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) publicaram ponderações acerca da questão.
Essa classe de medicamentos existe há mais de trinta anos e integra a lista dos mais vendidos no mundo. Há uma década, também faz parte do portfólio da “Farmácia Popular”. Além disso, tem sido fundamental no tratamento de diversas doenças extremamente prevalentes na população, como a hipertensão arterial – a qual, segundo estimativas, atinge aproximadamente 30% dos adultos e 60% dos idosos (acima de 60 anos) e leva a óbito cerca de 200 mil brasileiros todos os anos.
Antes de ontem (15), a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), que traz em seu quadro de dirigentes a nefrologista Cibele Saad Rodrigues (professora-titular do Departamento de Clínica, na área de Nefrologia, e docente do Programa de Mestrado em Educação nas Profissões da Saúde, ambos desenvolvidos pela Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da PUC-SP, em Sorocaba, assim como coordenadora acadêmica do Hospital Santa Lucinda), divulgou uma nota oficial voltada à população e outra, à classe médica, sobre a questão.
Esclarecimentos à população
A nota afirma: Em primeiro lugar, não pare de tomar os medicamentos sem conversar com o seu médico, pois a interrupção pode levar ao aumento da pressão arterial e precipitar as complicações que mencionamos antes (infarto, derrame e insuficiência cardíaca). Não há razão para decisões abruptas impensadas, nem para pânico. Seu médico, com o conhecimento que dispõe do seu caso e de informações técnicas, vai discutir com você, pesar os riscos e benefícios e vocês decidirão, juntos, se devem continuar usando ou trocar o medicamento.
A nefrologista Cibele também é diretora do Departamento de Hipertensão Arterial da SBN, diretora científica da Sociedade de Nefrologia do Estado de São Paulo (SONESP) e membro eleito do Conselho Científico da Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH). De acordo com ela, em face das notícias veiculadas por mídias de toda natureza sobre o recolhimento de lotes de losartana produzidos pelo laboratório Sanofi Medley – que acabaram por se difundir rapidamente, antes mesmo de uma posição oficial do próprio laboratório e da Anvisa –, o Departamento de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Nefrologia, a Sociedade Brasileira de Cardiologia e seu Departamento de Hipertensão Arterial, assim como a Sociedade Brasileira de Hipertensão, se viram na obrigação de orientar os consumidores e os médicos que atendem pacientes com pressão alta e/ou doenças cardíacas e renais a não suspender, abruptamente, o uso desses remédios, que podem sequer estar contaminados com impurezas.
Cibele comenta que essa classe de medicamentos (as “sartanas”) é comprovadamente benéfica para doenças cardiovasculares e renais e ressalta que é consenso entre todos os especialistas que, antes de tomar qualquer decisão, é essencial consultar o médico assistente.
A íntegra do documento expedido para leigos e para médicos pode ser verificada no site da SBN em https://www.sbn.org.br/noticias/single/news/posicionamento-do-departamento-de-hipertensao-arterial-da-sbn-sobre-o-recolhimento-da-losartana-do-m.
Entenda a questão
Recentemente, uma revisão de grandes estudos feitos com a losartana e com os outros medicamentos dessa classe (isto é, todos cujo nome termina com “sartana”: valsartana, candesartana, irbesartana, telmisartana e omesartana) mostrou que o uso cumulativo desses medicamentos, por um prazo maior do que três anos e em doses altas, aumenta o risco de desenvolver câncer de uma forma geral e, mais especificamente, de câncer de pulmão.
No entanto, outra revisão, que também incluiu pesquisas importantes, demonstrou que não há evidências de que os medicamentos para tratar pressão alta estejam relacionados a um maior risco de câncer. De qualquer forma, se o risco for comprovado, o mais provável é que esse efeito não seja do medicamento em si, mas de impurezas químicas formadas durante sua produção.
Nitrosaminas e azidos, presentes nos medicamentos como impurezas, já foram identificados como possíveis agentes cancerígenos em experiências de laboratório, mas não há comprovação definitiva desse efeito em seres humanos. Por essa razão, e de forma preventiva, um laboratório brasileiro (Sanofi-Medley), em acordo com a Anvisa, suspendeu a venda e retirou do mercado os lotes de medicamentos à base de losartana que considera ter essas substâncias. A farmacêutica espera, o mais brevemente possível, repor o estoque dos medicamentos sem essas impurezas. É possível que outras companhias façam o mesmo com outros medicamentos desta classe, se constatadas substâncias impróprias ao consumo.
No último dia 14, a Anvisa elaborou comunicado relacionado à presença da impureza conhecida como “azido” (impureza nomeada como LADX) no insumo farmacêutico ativo (IFA) da losartana potássica.
Foram emitidos alertas e realizadas ações de recolhimento por diversas autoridades reguladoras, desde 2018, a saber, European Directorate for the Quality of Medicines & HealthCare – EDQM (autoridade europeia), Health Canada (agência do Canadá), Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency – MHRA (agência do Reino Unido), Therapeutic Goods Administration – TGA (agência australiana), Health Sciences Authority – HSA (agência de Cingapura) e Swissmedic (agência suíça).
Em 29 de setembro do ano passado, a EDQM informou sobre uma investigação, a qual demonstrou que a impureza “azido”, identificada em IFAs pertencentes à classe das “sartanas”, possui potencial mutagênico – o que, em tese, pode causar mutações e alterar o código genético de um indivíduo.
A partir dessa informação e de resultados de análises dessa impureza realizadas por fabricantes do IFA da losartana (e sem registro de eventos adversos que pudessem estar relacionados a este achado), a Sanofi Medley, detentora de medicamentos contendo losartana, informou à Anvisa que, de forma preventiva, faria o recolhimento voluntário de seus produtos.
Os lotes de recolhimento englobam os seguintes produtos, na apresentação de comprimidos:
- Losartana potássica + hidroclorotiazida 50 mg + 12,5 mg;
- Losartana potássica + hidroclorotiazida 100 mg + 25 mg;
- Losartana potássica 50 e 100 mg;
- Valtrian HCT® 50mg + 12,5 mg;
- Valtrian® 50 e 100 mg.
Sobre a losartana
A losartana é um medicamento utilizado por um grande número de pessoas que têm hipertensão arterial (pressão alta) e/ou doenças cardíacas, vasculares e renais. Está no mercado brasileiro há mais de 30 anos. Há uma década, entrou para a lista dos medicamentos fornecidos pelo programa “Farmácia Popular”.
Ela pertence a uma classe de medicamentos que, além de tratar a pressão alta, traz grandes benefícios para o coração, para as artérias, para o cérebro e para os rins, pois evita as principais complicações da hipertensão nesses órgãos (infarto, insuficiência cardíaca, derrame cerebral e doença renal crônica, que leva à necessidade de hemodiálise e transplante renal). O uso desses medicamentos já preveniu centenas de milhares de mortes e internações ao longo dos anos.