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O assunto é polêmico. No Brasil, o artigo 22 da Lei de Execução Penal prevê que, desde que cumpridos os requisitos legais, pessoas condenadas à prisão têm o direito à saída temporária — popularmente conhecida como “saidão” ou “saidinha”. A ideia é que os indivíduos encarcerados possam aos poucos retomar o contato com a sociedade em visitas à família ou participando de cursos e eventos que contribuam para a sua ressocialização em liberdade. O sistema brasileiro é progressivo e o condenado vai ganhando direitos gradualmente.
Na semana passada, porém, no Rio de Janeiro, 522 presos não voltaram para as cadeias da cidade — até as 22h do dia 30 de dezembro, prazo estipulado para tal — após o “saidão de Natal”. Entre eles havia oito integrantes da maior facção criminosa do Rio de Janeiro: o Comando Vermelho. De 1.240 beneficiados, 42% não retornaram às cadeias — e esse número vem crescendo. Os dados são da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro, mas a cidade é apenas um exemplo do fenômeno que está ocorrendo em todo o país.
“Ao contrário do que se pensa, porém, a maioria dos presos retorna da saída temporária: considerando o enorme tamanho da população carcerária brasileira, é apenas uma pequena minoria que é apanhada cometendo novos crimes ou não volta”, afirma o advogado e professor Matheus Falivene, especialista nas áreas de Direito Penal e Direito Penal Econômico. Falivene acrescenta, porém, que, “para se evitar fugas, a legislação prevê a possibilidade de monitoração eletrônica por tornozeleira eletrônica” — mas que, “por falta de recursos para a compra dos aparelhos, são raros os casos em que essa monitoração de fato acontece”.
O especialista explica que têm direito à saída temporária — que ocorre geralmente em datas festivas como o Dia das Mães, o Dia das Crianças e o Natal — os presos “que estejam cumprindo pena em regime semiaberto, tenham comportamento adequado e cumprido pelo menos um sexto da pena — se primários — ou um quarto, se reincidentes”. O condenado que pratica crime hediondo resultando em morte não tem direito à saída temporária.
O também advogado Leonardo Pantaleão explica que, “quando se trata de preso que se encontra em saída temporária, o seu não-retorno ao sistema prisional não é chamado de ‘fuga’, mas, sim, de ‘abandono’ do sistema prisional, uma vez que o seu acesso externo foi liberado pela própria Justiça”.
Apesar dos evidentes percalços inerentes ao “saidão”, o especialista concorda que o benefício ainda vale a pena, em termos gerais. “O percentual de reeducandos que cometem delitos durante esse período de saída temporária e, sobretudo, que abandonam o sistema prisional — até mesmo pelas consequências maléficas que sofrerão em caso de serem recapturados, como regressão de regime, com nova inserção em regime prisional mais severo, fechado — é bastante pequeno, se comparado ao total daqueles que usufruem do benefício legal.” Ele admite, no entanto, que “o mecanismo de controle poderia ser mais eficaz, desde que houvesse investimento do Estado em sistemas específicos para tanto — como uma fiscalização mais presente durante o período de saída, uso de tornozeleiras etc”.
Leonardo Pantaleão reitera o valor da saída temporária como forma de resgatar pessoas do mundo do crime. “Ela dá ao reeducando a possibilidade de manutenção dos seus laços familiares e permite que tenha a oportunidade de estudar e se qualificar para o mercado de trabalho; assim, quando alcançar a liberdade, poderá ter oportunidades para garantir o seu sustento licitamente e para que tenha um convívio social íntegro, pacífico e harmonioso. O convívio social é extremamente importante para a reinserção gradativa do condenado na sociedade. Ademais, inexistindo a prisão perpétua no Brasil, em determinado dia, o reeducando alcançará a liberdade de toda forma, razão pela qual sua readaptação gradativa se torna relevante.”
Matheus Falivene, advogado e professor nas áreas de Direito Penal e Direito Penal Econômico. Doutor e Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Especialização em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra, Portugal. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas. Professor na pós-graduação da PUC-Campinas.
Leonardo Pantaleão, advogado e professor, com mestrado em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), Doutorado na Universidad Del Museo Social Argentino, em Buenos Aires e Pós-graduado em Direito Penal Econômico Internacional pelo Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu (IDPEE) da Universidade de Coimbra, em Portugal, professor da Universidade Paulista. Autor de obras jurídicas, palestrante com ênfase em Direito Penal e Direito Processual.