Foto de Mohan Nannapaneni no Pexels
Solidariedade é algo que se ensina? Somos sujeitos complexos, plurais, movidos a ser inteiros e íntegros. Como sujeito sócio histórico, cada pessoa torna-se o que é nas tramas das relações sociais e dos diversos discursos que permeiam sua existência. Somos seres inacabados, em constante processo de (re)construção, capazes de se constituir e de constituir o mundo. Neste sentido, a solidariedade também é um dos elementos que compõem o ser humano; ela pode sim ser ensinada e resignificada nos diversos contextos.
O contexto influencia no aprendizado do indivíduo. Porém, há muitos fatores que se articulam para a construção deste aprendizado. Por isso, podemos afirmar que crianças e jovens, nas mais diversificadas realidades, se contarem com uma boa mediação familiar, escolar e de grupos sociais, podem sim aprender a ser solidários. Há belíssimos exemplos disso.
Do ponto de vista biológico há instintos de preservação que podem ser vistos como solidários, como por exemplo, uma mulher que acolhe e cuida de uma criança em situação de risco de vida. Porém, entendendo a solidariedade como algo mais dinâmico, que ganha níveis e significados distintos ao longo do tempo e na diversidade de culturas, é difícil concluir que alguém já nasça solidário. É preferível afirmar que todos nascem com a possibilidade de desenvolver este valor.
Há várias definições do que significa solidariedade; destaco duas, uma delas é uma definição do papa João Paulo II: “Solidariedade é a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos”. A segunda é a do teólogo Gutierrez que afirma que a solidariedade é o “amor eficaz”.
Por que, às vezes, parece difícil se doar ao próximo? Não é fácil controlar os instintos egoístas e a tendência à acomodação. Nesse sentido, é difícil superar paradigmas anacrônicos, estruturas obsoletas e preconceitos em favor do bem comum. Dá trabalho sair de si, estimular a consciência crítica, reconhecer incoerências pessoais, desenvolver a alteridade, buscar coletivamente soluções assertivas com foco no grupo. Porém, a maior parte dos que começaram a desenvolver sua dimensão solidária encontraram um caminho de realização, ampliaram o sentido de sua existência e tornaram sua vida mais dinâmica.
Há diferentes níveis de solidariedade. De maneira simplificada, seria possível destacar três: o primeiro é o assistencialismo. Muitas pessoas se comovem com o sofrimento alheio e se dispõem a ajudar, mas não necessariamente colaboram para que as raízes do sofrimento sejam superadas. O segundo é a fraternidade. Há pessoas que se dispõem a superar preconceitos e conviver com quem sofre. Aprendem que a solidariedade é um “caminho de mão dupla”, de interlocução que promove o crescimento de todos os envolvidos. O terceiro é a defesa e promoção dos direitos e a emancipação dos sujeitos. Quem está nesse nível assume direta e indiretamente o acompanhamento das políticas públicas que incidem na vida de todos e o apoio às iniciativas que buscam superar as causas da vulnerabilidade social e econômica. Pensando assim, afirmo que ser solidário e fazer o bem podem ser sinônimos, mas têm formas e impactos distintos.
Como seres histórico sociais, cumpre a nós revisitarmos com uma boa mediação a multiplicidade de conceitos e resignificá-los em prol da vida que suplica ao nosso lado. Contudo, em um movimento que interpela o futuro que nele está sendo gerado, sabemos que a educação de amanhã depende do que somos capazes de começar a fazer hoje. Ele não virá espontaneamente. Precisamos juntos trabalhar para esse futuro e ao trazermos para o cotidiano educacional questões sobre solidariedade, protagonismo, equidade, estamos dando passos nessa caminhada.
Osmar Resende é coordenador de Pastoral do Colégio Marista Arquidiocesano, localizado em São Paulo (SP).