Um estudo da Plataforma Científica Pasteur-USP (SPPU, na sigla em inglês) mostrou que 8% dos pacientes com a forma leve da Covid-19, saudáveis e com sintomas leves, podem ter episódios de positividade prolongada — quando o coronavírus continua sendo detectado no organismo, mesmo após o fim dos sintomas. De acordo com Marielton dos Passos Cunha, pós-doutorando na SPPU e primeiro autor do artigo, os resultados levantam uma discussão sobre a necessidade da realização de testes após os 14 dias de afastamento do indivíduo infectado, para confirmar se o vírus foi de fato eliminado. Porém, mais estudos ainda são necessários para avaliar a capacidade de transmissão do vírus em casos de infecção prolongada.
A pesquisa faz parte de um projeto de monitoramento do SARS-CoV-2 na região metropolitana de São Paulo, cujas amostras foram coletadas entre março e novembro de 2020, e está sendo financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pelo Instituto Pasteur e pelo Consulado da França em São Paulo, sob a coordenação da pesquisadora Paola Minóprio.
Foram selecionados 38 pacientes positivos com sintomas leves para participar do estudo. “Nós coletamos amostras desses pacientes a cada semana para testagem. Três pacientes foram classificados como atípicos, pois se mantiveram positivos por mais tempo”, explica Cunha. Um dos pacientes é portador de HIV e testou positivo por 232 dias; já os outros dois testaram positivo durante 71 e 81 dias. No entanto, os indivíduos estiveram assintomáticos na maior parte do tempo.
O pesquisador ressalta que o paciente com HIV estava com a doença controlada naquele período, com a contagem normal de células do sistema imune, portanto os dados sugerem que ele era tão capaz de responder ao vírus tanto quanto os outros dois pacientes. “Precisaríamos de uma coorte só de pacientes com HIV e que foram infectados pela Covid-19 para avaliar se o HIV interfere ou não na resposta imune contra o coronavírus”, aponta.
Apesar da alta durabilidade da infecção, os pesquisadores conseguiram caracterizar toda a sua duração — ou seja, no momento da última coleta, os pacientes testaram negativo. “Isso significa que o próprio sistema imune, apesar de ter alguma dificuldade inicial, conseguiu eliminar o vírus”.
Por que acontece — Até então, outros estudos sobre positividade prolongada mostravam pacientes com quadros de imunossupressão, associada a alguma doença ou a um transplante, o que explica a dificuldade no controle da infecção. “Já a nossa pesquisa trata de pacientes saudáveis, com defesa natural contra o vírus. Alguns fatores do hospedeiro podem estar ligados a essa positividade prolongada, como estado nutricional, condição imunológica e idade”, afirma o cientista.
A infecção prolongada também pode estar associada ao próprio vírus, que desenvolve mecanismos para sobreviver e se perpetuar. “O vírus pode modular alguns genes do hospedeiro para ajudar a sua replicação, por exemplo, e assim evadir de respostas ligadas ao sistema imune. Então, as mutações virais acumuladas ao longo da infecção podem estar relacionadas a essa positividade prolongada”.
O próximo passo é entender qual é o impacto epidemiológico desse fenômeno: se os vírus que continuam no organismo têm capacidade de estabelecer uma nova infecção em outro hospedeiro ou não. Além disso, o grupo está sequenciando amostras de novos pacientes que apresentaram quadros parecidos para verificar se existem mutações associadas à infecção prolongada e encontrar novas explicações.