Pesquisa indica que práticas esportivas ampliam habilidades cognitivas, emocionais e sociais de crianças, adolescentes e jovens
Organizações da sociedade civil democratizam o acesso às práticas esportivas, mas também artísticas e culturais, nos territórios mais vulneráveis
Rebeca Andrade, da ginástica artística, Wanderson de Oliveira, do box, Alison dos Santos, do atletismo, e Isaquias Queiroz, da canoagem, são alguns dos atletas olímpicos que iniciaram no esporte por meio de projetos desenvolvidos por organizações da sociedade civil. São exemplos do potencial do esporte como instrumento de transformação social, inclusão e educação integral para crianças, adolescentes e jovens em todo o país.
“Independentemente de virem a se tornar atletas de alta performance, o esporte abre as portas para que todas e todos tenham oportunidade de desenvolver novas habilidades, promove o convívio social, amplia conhecimentos e o desenvolvimento cognitivo. É a chamada educação integral, uma concepção de pedagogia estratégica para a redução das desigualdades existentes em nosso país. É fundamentada na ampliação de repertório e no reconhecimento dos diferentes saberes presentes na escola, na família, na comunidade”, explica Camila Feldberg, gerente de fomento do Itaú Social. “E as organizações da sociedade civil contribuem bastante para democratizar o acesso às práticas esportivas, mas também artísticas e culturais, nos territórios mais vulneráveis”, avalia.
A meta-análise Artes e Esportes: Relação com desenvolvimento humano integral, realizada pelo Itaú Social em parceria com pesquisadores da Universidade de Cambridge (Inglaterra), apontou que disciplinas de artes e esportes, combinadas no calendário escolar, de forma estratégica, com outras áreas de conhecimento, contribuem para que crianças, adolescentes e jovens se transformem em adultos mais habilidosos nas dimensões cognitivas, emocionais e sociais.
Atividades esportivas e culturais estimulam o prazer de estar envolvido com a escola. Na rede pública, se tornam ainda mais importantes e têm maior impacto na medida em que ampliam o acesso da população socialmente vulnerável que, via de regra, não tem possibilidade de frequentar clubes ou equipamentos culturais. Apesar de ser uma instituição chave para a educação, a escola não é o único lugar onde se adquire novas competências. As organizações da sociedade civil cumprem um papel essencial em prol do desenvolvimento pleno dos indivíduos em suas próprias localidades.
No Guarujá, litoral de São Paulo, o Projeto Ondas promove a formação integral de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade socioeconômica por meio do surf. Além da prática esportiva, a iniciativa oferece apoio pedagógico, inclusão digital, ensino de práticas éticas de cidadania e educação ambiental. Desde 2007, já atendeu mais de 500 crianças de 6 a 12 anos e suas famílias.
“Nossa estratégia é simples. A gente usa o esporte como vitrine. As crianças se interessam pelas pranchas, pelas roupas de neoprene, querem aprender manobras com nossos instrutores. E assim a gente vai se aproximando e abrindo novos caminhos. O surf é a nossa linguagem para o aprendizado”, afirma Jojó de Olivença, bicampeão brasileiro e criador da organização. “Falamos das fases da lua para entender o tamanho das ondas. Da importância histórica de algumas cidades a partir de destinos consagrados do circuito mundial de surf. Até a produção de textos é trabalhada em torno do tema”, explica.
Criatividade, iniciativa, pensamento crítico, persuasão, negociação, atenção aos detalhes, resiliência e flexibilidade são algumas habilidades essencialmente humanas que serão mais valorizadas com a crescente inovação tecnológica e as novas formas de trabalho. Para desenvolvê-las, a pesquisa demonstra que os esportes e as artes devem ser tratados com protagonismo pelas escolas e organizações.
Esporte e inclusão
No projeto WimBelemDon o desafio é a inclusão. Há 20 anos atuando na periferia de Porto Alegre (RS), acolhe crianças e adolescentes em vulnerabilidade social para, por meio do tênis, facilitar o processo de integração social. “Temos o desafio diário de vencer o preconceito de que tênis é um esporte de elite. Por que a criança não pode sonhar em jogar tênis? A gente prova que isso é possível e usa o esporte como forma de inclusão”, ressalta Marcelo Ruschel, fundador e superintendente da WimBelemDon.
A organização recebeu o nome em homenagem ao Grand Slam de tênis Wimbledon, disputado no Reino Unido. Além do tênis, proporciona aos educandos aulas de leitura, arteterapia, oficinas de cinema, yoga, meditação e relaxamento, e oficinas de psicologia. “A missão da organização é dar instrumentos para que as crianças consigam identificar sonhos, quaisquer sonhos, e tenham ferramentas para ir atrás deles”, enfatiza Ruschel.
No Complexo Muquiço, que reúne oito comunidades na zona norte do Rio de Janeiro, o Instituto Bola Pra Frente, fundado há 21 anos pelo tetracampeão mundial de futebol Jorginho, utiliza o esporte e a cultura como ferramentas de aprendizagem. O trabalho da organização, como destaca a diretora executiva Renata Siqueira, é oferecer formação e perspectiva aos milhares de jovens dessas comunidades, para que despertem para o compromisso com o coletivo, sejam conhecedores da diversidade e do valor da sua própria cultura. “Já atendemos cerca de 16 mil pessoas, entre crianças, adolescentes, jovens e suas famílias, com foco na educação integral, tendo como ferramentas o esporte e a cultura”, explica.
Para 2022, um novo prédio está sendo construído para expandir o atendimento de 430 para mil pessoas. “Em 2016, devido às Olimpíadas no Rio, tivemos a oportunidade de nos aproximar de diversas confederações olímpicas. Ganhamos materiais esportivos, realizamos parcerias e os nossos professores tiveram a oportunidade de aprender novas modalidades e metodologias de ensino. Estamos nos preparando para oferecer à comunidade o novo prédio que estamos montando”, comenta Renata.
*O pluralismo no mundo dos esportes
*Fonte: Meta-análise Artes e Esportes: Relação com desenvolvimento humano integral