A coronasomnia virou hot-topics científico, mas você sabe o que significa? A busca pela palavra “insônia” no Google aumentou 84% em 2020, e segue gerando preocupações neste início de ano. Tanto insônias quanto hipersonias (excesso de sono) e pesadelos se associaram fortemente à chegada da pandemia que impactou o ciclo sono-vigília e à ritmicidade biológica da espécie humana de forma global e coletiva.
A partir de um estudo da Psychiatry Research, que revisou mais de 130 artigos publicados no ano passado, analisando a prevalência de sintomas de depressão, ansiedade, estresse pós-traumático e insônia em quase 190 mil pessoas de 16 países, estima-se um aumento médio de cerca de 60% na frequência dessas queixas em relação a anos anteriores.
As queixas não variaram significativamente em função de características sociodemográficas ou de região geográfica, com exceção da insônia, que teve prevalência 2x maior entre profissionais de saúde atuando na linha de frente comparados à população geral. Dados da Associação Brasileira do Sono (ABS) corroboram este cenário.
São muitos brasileiros que possuem dificuldade para dormir e há uma escassez de profissionais com formação em medicina do sono, que tenham experiência clínica para aplicar a Terapia Cognitivo-Comportamental para Insônia (TCC-I), considerada pelas sociedades médicas e de sono nacionais e internacionais o tratamento padrão-ouro e de primeira escolha.
A novidade é que a revolução digital também acelerada pela pandemia vem trazendo alternativas cada vez mais acessíveis e embasadas cientificamente. Estudos com metanálise publicados em diferentes revistas como JAMA Psychiatry, Psychological Medicine, Sleep, Sleep Medicine, Plos One, Lancet Digital Health, entre outras, e compilando resultados de inúmeros ensaios clínicos com TCC-I digital, demonstram sua eficácia comparável à terapia aplicada por profissional, presencialmente ou por teleatendimento.
Além disso, os efeitos positivos são duradouros e vão além da melhoria do sono, reduzem a ansiedade e depressão. Pesquisadores do Michigan, nos EUA , também observaram que insones que já tinham feito TCC-I digital ficaram mais resilientes durante a pandemia, tendo menos recaídas de insônia. A TCC-I digital já foi testada entre jovens , adultos , mulheres grávidas e mesmo idosos, em tese menos adeptos a tecnologias. O principal desafio é o engajamento, pois as taxas de dropout são altas.
As pesquisas na área estão voltadas atualmente para os modelos híbridos, combinando terapia digital com acompanhamento profissional, o que aumenta a adesão. Também estudos com machine learning que visam identificar o perfil dos usuários que abandonam e quando, buscando soluções para favorecer engajamento.
A maioria das pessoas que sofrem para dormir dizem que o que mais atrapalha seu sono são: preocupações (38%), doenças (20%) ou o excesso de ocupações (19%), motivos que variam com a idade. Jovens se preocupam mais e são mais ocupados. Já nas fases seguintes da vida, são as condições físicas que passam a impactar mais.
É o que nos diz dados publicados há alguns anos por pesquisadores da King’s College London, no Reino Unido. Em geral, são os jovens que não priorizam o sono que envelhecem experienciando um agravamento das dificuldades. Isso porque a relação entre insônia e doenças físicas e mentais é muito forte e é bidirecional. Sofrimento psíquico e doenças nos tiram o sono, mas a insônia não tratada adequadamente desencadeia os problemas de saúde que todos queremos evitar.
Também nos expõe mais à riscos. Insones tem 1,6x mais chances de serem hospitalizados ou atendidos em pronto-socorro, segundo dados do estudo EPISONO , do Instituto do Sono e Universidade Federal de São Paulo.
Como engajar na mudança de hábitos e controlar as preocupações na hora de dormir? Há muitas estratégias comportamentais e cognitivas, mas nem todo mundo se adapta a todas elas, não à toa o engajamento está entre os principais desafios para o manejo clínico da insônia.
A maioria das pessoas com um problema crônico acaba precisando de uma psicoterapia para rever escolhas, planejar como equilibrar os pratos e ajustar expectativas. Ficar na cama tentando dormir sem conseguir, por exemplo, é a pior coisa que alguém pode fazer e que só piora a insônia.
A resolução do problema começa por aí para muita gente. A novidade é que a revolução digital chegou para ficar e promete revolucionar as noites mal dormidas e o uso de serviços em saúde.
Laura Castro é sócia e diretora de psicologia na Vigilantes do Sono. Psicóloga clínica e consultora (CRP: 06/83226). Formada em psicologia pela Universidade Estadual de Londrina (2004). Sua área de pesquisa no mestrado foi Medicina e Biologia do Sono. Atuou como pesquisadora, estatística e gerente administrativa de operações no Instituto do Sono. É psicóloga do sono pela Associação Brasileira do Sono e Sociedade Brasileira de Psicologia, com mais de 15 anos de experiência.