Novamente nas eleições municipais do último dia 15 de novembro tivemos situações de suspeita de candidaturas laranjas. O Ministério Público apura irregularidades envolvendo candidatas nas cidades de São Manuel e Duartina, cidades do interior paulista. Em São Manuel, cinco candidatas estariam nessa situação. Elas são dos partidos PSDB, PSB, PSD e PDT. Em Duartina, a investigação é em relação a uma das candidatas do PL.
Mas não são apenas essas cidades que estão a passar por essa situação. Das 173 mil mulheres aptas a disputar o cargo de vereador no domingo passado, 6.372 tiveram apenas um ou nenhum voto, segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo.
As fraudes apontadas consistiram na burla ao disposto no parágrafo 3º do artigo 10 da Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições), que exige que no mínimo 30% (trinta por cento) dos candidatos as cadeiras do legislativo sejam do sexo feminino.
O objetivo deste regramento de cota de participação de mulheres nas eleições consiste na ampliação da atuação feminina no cenário político brasileiro. Porém, as primeiras eleições (2018) foram palco de candidatas “fake”, ou seja, candidaturas que serviram única e exclusivamente para cumprir a exigência legal.
Embora esta regra tenha sido introduzida na Lei das Eleições em setembro de 2009, portanto, com aplicação para as eleições de 2010 (Deputados Estaduais e Federais), apenas a partir das eleições de 2016 (vereadores) o Poder Judiciário foi provocado a se manifestar sobre o tema.
O Tribunal Superior Eleitoral enfrentou a questão pela primeira vez no Respe nº 19392 e por quatro votos a três, decidiu que a utilização de candidatas “laranjas” resulta na cassação de toda a coligação que se uniu para a disputa ao cargo de vereador de Valença do Piauí (PI) na eleição municipal de 2016.
O voto vencedor, do Ministro Jorge Mussi, pautou-se no entendimento de que “todo o conjunto de candidatos acabou sendo beneficiado” com a utilização das “candidatas laranjas”, uma vez que sem elas não atingiriam o mínimo. Com isso, todos os candidatos eleitos pela coligação tiveram seu mandato cassado, conforme se extrai do excerto do voto: “A fraude da cota de gênero implica a cassação de todos os candidatos registrados pelas duas coligações proporcionais. A gravidade dos fatos é incontroversa“.
O Ministro Relator destacou que “sem candidaturas laranja, o partido não teria cumprido as exigências para participar das eleições” e finalizou afirmando que “A gravidade dos fatos é incontroversa“. Naquela oportunidade o atual Presidente do TSE, Ministro Roberto Barroso acompanhou o relator.
A situação dos municípios de São Manuel e Duartina, comprovada as alegações apontadas pelo órgão ministerial, seguindo-se o entendimento do TSE no Resp 19392, resultará na anulação dos votos dos partidos e, consequentemente, na perda de eventuais cadeiras no legislativo local que tenham alcançado na última eleição.
Não se pode olvidar que o PSL, então partido do Presidente Jair Bolsonaro, foi alvo de acusações de candidaturas laranjas, fatos esses com possível participação do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, nas eleições para deputados (2018) do estado do Rio de Janeiro, mantida a posição originária do TSE todos os deputados estaduais e federais fluminenses eleitos pela coligação que estava o PSL terão seus mandatos cassados. Será que os ministros terão a mesma mão pesada que tiveram com os vereadores de Valença do Piauí (PI)?
Mas a questão vai além! Há se verificar que as candidatas laranjas receberam valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), destinado ao financiamento das campanhas eleitorais dos candidatos, previsto nos artigos 16-C e 16-D da Lei nº 9.504/1997, teremos outras implicações, inclusive criminais, na medida em que se locupletaram de recursos públicos mediante fraude. Nessas eleições, conforme levantamento realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo, a verba na conta de mais de 500 candidatas causa estranheza, já que todas tiveram desempenho pífio nas urnas, e pode ser mais um indício do “laranjal partidário”, com o lançamento de concorrentes “de fachada”.
O veículo destaca, ainda, que em Vargem Grande Paulista, interior de São Paulo, a candidata Marjory Piva teve apenas um voto, mas recebeu R$ 17 mil do Republicanos e, pasmem, não declarou nenhuma receita à Justiça Eleitoral. A candidata ficou com o recurso para si ou repassou para o partido? Situação semelhante, infelizmente, ocorreu em centenas de outras localidades, inclusive com a utilização de mulheres negras, fato que enseja em uma dupla irregularidade, na medida em que o Tribunal Superior Eleitoral, editou resolução regulando a paridade/proporcionalidade de distribuição de recursos do Fundo Eleitoral entre candidatos brancos e negros.
Enquanto acharmos normal que situações como essas aconteçam, continuaremos observando o ingresso de políticos vocacionados a burlar o sistema. Candidatas laranjas: até quando teremos isso? Com a palavra a Justiça Eleitoral. Acorda Brasil!
Marcelo Aith é advogado especialista em Direito Público e professor convidado da Escola Paulista de Direito