O home office, ou teletrabalho, já era previsto na legislação trabalhista brasileira, regulamentado com a Reforma Trabalhista, em 2017. A sua adoção como formato de trabalho só cresceu desde então. Dados anteriores à pandemia comprovam a tendência. Segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua Anual: Características Adicionais do Mercado de Trabalho 2012-2018, do IBGE, o número de trabalhadores em home office em 2018 bateu todos os recordes: 3,8 milhões de pessoas – um aumento de 44,% desde 2012, quando teve início a série histórica.
Ainda não há dados atualizados do número de trabalhadores que estão em home office na pandemia, mas o estudo Tendências de Marketing e Tecnologia 2020: Humanidade redefinida e os novos negócios (do Infobase e Institute for Technology, Enterpreneurship and Culture) dá uma pista: prevê crescimento de 30% do trabalho remoto no Brasil após a volta.
“Nós não temos respostas prontas para o porvir, mas a gente pode fazer conjecturas. As grandes epidemias e as guerras resultaram em um mundo transformado após a sua passagem e com essa pandemia não será diferente. Nas relações de trabalho, o home office já se instalou como uma realidade. Empresas que antes resistiam à sua implantação por entender que a proximidade dos líderes, pelo pressuposto da fiscalização do trabalho, tiveram que fazer isso sem muito pensar”, reflete Cyntia Possídio Lima, pós-graduada em Direito do Trabalho pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia, mestranda em Direito pela UFBA e Conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Bahia.
As mudanças mais ágeis, nesse contexto, vieram pelo caminho da legislação. “As Medidas Provisórias 927 e 936 trouxeram várias ações possíveis de aplicação pelas empresas para o enfrentamento da crise do coronavírus e manutenção do emprego, como flexibilização do home office, redução da jornada e dos salários e suspensão dos contratos de trabalho, com validade enquanto durar o estado de calamidade publica”, explica Karolen Gualda Beber, advogada especialista na área do Direito do Trabalho do escritório Natal & Manssur.
“Agora, a tendência é que as empresas que não implementaram ainda passem a adotar esse formato. As que já utilizavam é bem provável que aumentem o número de pessoas trabalhando em casa”, destaca Decio Daidone Jr, pós-graduado em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor e palestrante. Cyntia Possídio Lima concorda. “Uma vez que as empresas já identificaram que é possível manter a sua produção e atividade longe das suas dependências, não tenho dúvida que depois da pandemia o teletrabalho vai ser uma realidade. As empresas identificaram menos gasto com ar-condicionado, energia elétrica e outras estruturas físicas. Ao mesmo tempo em que os gastos operacionais do dia a dia são reduzidos, também há redução da necessidade de espaço, de pagamentos de aluguéis, entre outros”.
Os especialistas alertam, porém, que a transição terá de seguir regras. “Desde segurança e medicina do trabalho, parte tecnológica e registro em contrato e a maneira de fazer a gestão da relação desse trabalho”, enumera Decio Daidone Jr.
Confira as principais regras:
– A empresa que mantiver o sistema home office vai precisar fazer aditivos contratuais. O teletrabalho já está previsto na CLT (artigo 75 A a 75 E), trazendo as regras de como deve ser essa relação como, por exemplo, local, recursos, equipamentos, atividades a serem realizadas etc.
– Na transição do trabalho presencial para o home office, o vale-transporte pode ser retirado por não haver mais deslocamento, mas os demais benefícios são devidos, conforme o contrato de trabalho entre as partes.
– Na estruturação do home office, a empresa precisa ter especial atenção à medicina do trabalho, especialmente a ergonomia. Será necessário verificar como é o mobiliário usado pelo empregado, altura da mesa e cadeira, do computador, iluminação e ventilação, entre outros. A CLT diz que a empresa deve orientar o funcionário de forma ostensiva quanto a esses aspectos para que não ocorram problemas de saúde
– O equipamento usado também é de responsabilidade do empregador e os recursos necessários para sua viabilidade (tecnologia, energia elétrica etc.) devem ser reembolsados ou providenciados como ajuda de custo da empresa, mediante comprovação. Esses aspectos devem ser todos registrados em contrato.
– As demais questões operacionais (gestão do trabalho, do tempo, mecanismos de avaliação, supervisão e análise, métricas e outros aspectos da atividade) devem ser esclarecidas e formalizadas entre as partes com antecedência e, de preferência, por escrito.
PERFIL DAS FONTES
Cyntia Possídio Lima é bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia – UFBA (1998). Pós-graduada em Direito do Trabalho pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia. Pós-Graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Mestranda em Direito pela UFBA. Ex-Diretora Geral da Escola Superior de Advocacia da Bahia. Atualmente exerce o cargo de Conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Bahia, para o triênio 2019/2021, e de primeira Vice-Presidente do IBDT – Instituto Bahiano de Direito do Trabalho. É sócia do escritório Castro Oliveira Advogados.
Decio Daidone Jr é graduado pelas Faculdades Integradas de Guarulhos, mestre em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduado em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pós-graduado em Direito Processual Civil pela UniFMU. É professor e palestrante.
Karolen Gualda Beber é advogada especialista na área do Direito do Trabalho com experiência em contencioso trabalhista, gerência de equipes, coordenação de pessoal, redação de peças processuais, realizações de audiências e sustentações orais. Formada pela Universidade Metodista de Piracicaba e pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela UNIRP (Universidade de São José do Rio Preto). É coordenadora da área trabalhista do escritório Natal & Manssur.