Essa pandemia é a primeira crise verdadeiramente global da história, com um organismo invisível afetando aproximadamente ao mesmo tempo praticamente todas as pessoas no planeta, ignorando raça, credo, status social ou limites físicos de qualquer ordem.
A humanidade está em guerra, mas ao contrário das guerras travadas com tanques, armas pesadas e combates que agridem todos os sentidos e pressionam as pessoas a buscar abrigo e proteção, a guerra contra um inimigo invisível não provoca os sentidos da mesma forma e intensidade.
O que torna difícil garantir que todos se protejam como devem, mesmo que cientistas e médicos alertem que o perigo ronda por todos os lados.
Em uma guerra como essa, a melhor arma que temos é a ciência. Pela simples razão de que esse minúsculo organismo, capaz de produzir apenas 29 proteínas, está evoluindo há milhões de anos e aprendeu, na sua aparente e enganosa simplicidade, a se proteger contra ataques.
Em comparação, uma bactéria, que produz centenas ou milhares de proteínas, opera uma maquinaria biológica muito mais complexa, mas que dá à ciência um número muito maior de alvos para ataque e controle.
É por causa desse inimigo poderoso e elusivo que cientistas do mundo inteiro estão unindo esforços de maneira nunca vista, compartilhando descobertas que possam apontar as vulnerabilidades para combatê-lo e derrotá-lo.
E a batalha da ciência contra um inimigo tão singular nem sempre é facilmente compreendida. Não é incomum numa situação como esta surgirem estudos científicos que aparentemente se contradizem, como tem acontecido, por exemplo, com a avaliação de medicamentos ou princípios ativos para combate e cura da COVID-19.
Quando faltam respostas definitivas ou absolutas, muitos pensam que os cientistas são confusos ou incapazes de tratar o problema. E muita incompreensão ou desapontamento decorre do desconhecimento da forma como se faz ciência ou dos limites para se responder a questões complexas em tempos muito curtos.
O método científico é a principal ferramenta que os cientistas possuem para chegar a novos conhecimentos. A credibilidade da ciência depende de atenção a esse conjunto de regras, que começa com a definição de um problema e a formulação de uma hipótese – ou o que os cientistas assumem ser possível acontecer.
Experimentos são realizados para produzir informações que indiquem se a hipótese estava ou não correta. Novos experimentos podem ser necessários, para refinar os resultados e se chegar a conclusões que são relatadas em artigos científicos, que revisados e aprovados por especialistas são publicados para amplo conhecimento de todos.
É através dos artigos publicados que os cientistas dizem “isso é o que sabemos”.
Acontece que, para cada ampliação do nosso conhecimento também existe um “isto é o que não sabemos”, pois nenhum estudo consegue abarcar todas as dimensões de um problema.
É por isso que, ao depararmos com estudos cujas conclusões aparentemente se chocam, é prudente não assumir de pronto que alguém está errado.
Os espaços onde a ciência atua podem ser vastos e multifacetados, e uma análise mais cuidadosa poderá indicar que diferentes grupos de pesquisadores centraram esforços em partes diferentes dessa realidade maior, daí a razão de muitas aparentes incongruências, que podem levar a análises precipitadas ou desinformação, que se amplificam causando desnecessária confusão e perplexidade.
Infelizmente, as ferramentas que a ciência usa para tratar incertezas ainda são pouco compreendidas. Como não existem bolas de cristal, ou máquinas do tempo, para se descobrir que direção tomará a pandemia, a ciência usa modelos matemáticos, para definir futuros possíveis e reduzir incerteza nos processos de decisão.
São esses modelos que geram os gráficos que vemos diariamente nos noticiários, antecipando a trajetória da pandemia. Os meteorologistas usam esse recurso para nos indicar diariamente como ficará o tempo, e nós já sabemos que modelos não são ferramentas perfeitas.
Mas, ainda assim, é esse recurso que retira tomadores de decisão do escuro completo, lhes dando referências substanciadas no melhor conhecimento disponível para calibrar ações e decisões com menores chances de erro.
Em síntese, cientistas ao redor do mundo estão tentando compreender a pandemia sem ter à mão um molde ou fotografia prévia – como aqueles que aparecem estampados na caixa de onde se tira as peças para montar um quebra-cabeças.
Por isso é que muitos grupos precisam experimentar com um complexo conjunto de peças, explorando possibilidades, errando muitas vezes, mas revendo e revisitando suas conclusões, até que as peças se encaixem e o quadro mais completo comece a tomar forma.
É do somatório de esforços de grupos de pesquisa ao redor do globo que o quebra-cabeças eventualmente começará a tomar forma, produzindo alternativas seguras para a superação da pandemia, na forma de medicamentos para a cura e uma vacina contra a COVID-19.
E no fim da crise a sociedade compreenderá que, apesar de falível e passível de erros, é a ciência que melhor nos habilita a enfrentar perigo tão grave.
E o futuro certamente premiará com respeito e admiração aqueles que, em posição de liderança e decisão, tiveram a sabedoria e a grandeza de se guiarem pelo melhor conhecimento científico disponível, buscando fazer, no tempo certo, a coisa mais prudente para proteger a vida e o bem estar da sociedade, acima de quaisquer outros interesses.