O filme “A Tabacaria”, dirigido por Nikolaus Leytner, que retrata a vida de um jovem em Viena nos anos 1930, abra as cortinas de um cenário sombrio para a saúde pública na primeira metade do século XX – o tabaco como um templo de prazer e desejo, como a expressão de independência feminina, como um produto almejado por personalidades da elite intelectual, como professores, médicos, psicólogos, juízes, dentre outros. Retrata a relação do homem com um produto que é vendido como sinônimo de desejo e de prazer, mas também de vício.
Ainda em cartaz em São Paulo, o filme estreia numa época de importantes acontecimentos para a defesa da saúde pública no Brasil do século XXI. Em maio, mês em que se comemora o dia mundial sem tabaco, e de forma inédita, a Advocacia-Geral de União ajuizou ação civil pública postulando o ressarcimento de gastos com saúde (SUS) a fabricantes de cigarros.
Em agosto, além da comemoração do dia nacional de combate ao fumo, o Grupo de Trabalho do Ministério da Justiça e Segurança Pública decidiu não diminuir impostos de produtos de tabaco, como havia sido cogitado em março, quando o GT foi criado para discutir políticas para enfrentamento do mercado ilegal desses produtos.
Além disso, a ANVISA realizou duas audiências públicas (uma em Brasília e outra no Rio de Janeiro) para analisar os impactos dos cigarros eletrônicos no Brasil, cuja comercialização, importação e propaganda são proibidas no país desde a Resolução nº 46, de 28 de agosto de 2009, em razão da inexistência de evidências científicas que comprovem a eficiência, a eficácia e a segurança no uso e manuseio de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar, e com base no princípio da precaução.
Todas as medidas acima mencionadas – seja de responsabilidade civil (ressarcimento de gastos), de não redução de impostos ou de proibição de comercialização de cigarros eletrônicos -, estão em consonância com o primeiro Tratado Internacional de Saúde Pública da OMS, denominado de Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, ratificado pelo Brasil em 2005, através do Decreto Legislativo n.º 1012/2005, com implementação nacional com o status de Política de Estado através do Decreto n.º 5658, de 2 de janeiro de 2006.
Na seara internacional, no final do mês de julho, a OMS lançou novo relatório sobre a epidemia mundial de tabaco e o Brasil foi o 2º país a alcançar alto nível das medidas do pacote MPOWER, que consiste, assim como explicamos em nosso livro “Direito e Tabaco”, na adoção de medidas para: M = monitor tobacco use and prevention policies (monitoramento do consumo de tabaco e das políticas de prevenção); P = protect people from tobacco smoke (proteção das pessoas da fumaça do tabaco); O = Offer help to quit tobacco use (oferecer ajuda para deixar o consumo de tabaco); W = Warn about the dangers of tobacco (advertir sobre os perigos do tabaco); E = Enforce bans on tobacco advertising, promotion and sponsonship (aplicar as proibições da publicidade do tabaco a promoção e patrocínio), e; R = Raise taxes on tobacco (elevar impostos sobre o tabaco).
Assim, seja na ficção, como bem demonstrado no filme “A Tabacaria”, seja na realidade brasileira, a tabacaria no mundo de hoje e seu ideário de prazer, devem virar só fumaça!
Renata Domingues Balbino Munhoz Soares é professora e coordenadora do Grupo de Estudo “Direito e Tabaco” da Universidade Presbiteriana Mackenzie e autora do livro “Direito e Tabaco. Prevenção, Reparação e Decisão”.
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