A sabedoria popular diz que pessoas que vivem de dia são mais bem sucedidas. A sociedade os ama, porque tendem a ser pontuais, conseguem melhores notas na escola e saltam rápido pelos cargos corporativos. Uma ideia que foi até teorizada pelo filósofo utilitarista Benjamin Franklin mais de 250 anos atrás — “cedo para dormir, cedo pra acordar” — em que todo mundo à margem é chamado de preguiçoso ou indisciplinado.
Há até uma patologia para isso: a síndrome do sono atrasado, que diz que todo mundo que dorme muito tarde possui uma doença que impede de dormir “no horário convencional”.
No entanto, há um movimento que pretende desmistificar a ideia de que dormir cedo é uma das leis gerais das ciências biológicas: ele pretende que aqueles que dormem tarde ou até mesmo passam a madrugada em claro podem ser revolucionários mais bem alocados em uma sociedade moderna e pós-industrial governada por nômades digitais, freelancers, empreendedores de espaços compartilháveis e codificadores madrugadores.
O diretor do Center for Human Sleep Science, da Universidade de Berkeley, em Nova York, Matthew Walker, escreveu em 2017 o livro “Why We Sleep” (“Por que nós dormimos”, sem tradução para o português), em que detalha como cada indivíduo vive em um ritmo circadiano de 24 horas, um relógio interno que coordena uma queda na temperatura do corpo, por exemplo, quando se prepara para o sono, e volta a aquecer o corpo quando é hora de acordar. A questão é que, segundo a obra, ninguém tem o relógio igual.
Segundo Walker, cerca de 40% da população dos Estados Unidos é o que se chama de morning people (pessoas que possuem um relógio interno “convencional”), enquanto 30% são evening people (pessoas que desempenham suas atividades melhor durante a noite) e os restantes estão em algum lugar entre os dois “relógios”. “Ninguém fica acordado de madrugada por escolha própria. As ‘corujas’ noturnas têm um sono mais atrasado por causa de uma inscrição rígida presente no DNA. Não é culpa dos madrugadores, mas um código genético”, escreve o cientista na obra.
O argumento do livro continua: quando madrugadores são forçados a acordar cedo, seu córtex pré-frontal, que controla processos sofisticados do pensamento e razões lógicas, permanece desligado, offline, como uma máquina fria que é ligada logo cedo e que demora um pouco para atingir a temperatura de operação.
Isso, segundo Walker, serviu até mesmo por uma questão evolutiva do ser humano, porque quando os primeiros indivíduos viviam em pequenas tribos, “agendar” o sono para horas específicas era uma vantagem na luta pela sobrevivência: alguém sempre tinha que ficar acordado para observar a chegada de leopardos e rivais de outras tribos. A ascensão posterior da agricultura trouxe o trabalho no campo para o dia e a Revolução Industrial estabeleceu que as fábricas começariam a operar as oito horas da manhã. Em tudo isso, quem levou a pior foram as “corujas” contemporâneas, que precisaram se adaptar.
As consequências podem ser funestas para os madrugadores, conforme publicou um estudo nos EUA correlacionando mortes precoces com pessoas que passavam madrugadas acordadas. Uma pesquisa que saiu no Journal of Psychiatric Research afirma que indivíduos que vão dormir tarde são 6% mais propensos a desenvolver depressão do que aqueles que dormem nos horários “convencionais”. Outras áreas da ciência já relacionaram as “corujas” com alcoolismo, fumo em excesso e, da mesma forma, com pessoas que possuem parceiros sexuais rotativos — eles têm até um nome: a Sociedade B.
Entre seus membros mais famosos estão Robert Iger, presidente da Disney, Howard Schultz, do Starbucks, e Indra Nooyi, o chefe-executivo da PepsiCo, que afirmam que vão dormir normalmente às quatro da manhã, quinze minutos depois de Tim Cook, que revelou recentemente que não se deita antes das 3h45. Sem contar Mark Zuckerberg, do Facebook, que disse em 2016 que é uma evening person.